domingo, 20 de dezembro de 2009

- Botucatu - histórico oficioso

1. Quando das sesmarias no alto e adiante da Serra Botucatu
Desde os tempos de 1580 a 1640, quando Portugal e Espanha, com suas respectivas colônias, sob um só reino administrado pela coroa espanhola, porém mantido governo português no Brasil colônia, os bandeirantes então avançaram além do Tordesilhas, invalidado durante os sessenta anos da unificação reinol ibérica.
Os 'paulistas' tinham interesses nas terras desapegadas pelos espanhóis, um território tampão entre as possessões castelhanas, portuguesas e as da Igreja no Paraná espanhol.
Os caminhos para a interiorização estavam abertos, pela Serra Botucatu, desde que o bandeirante Antonio [Campos] Bicudo, em 1620, fez as descrições pioneiras do cimo e cabeceiras do Pardo, viabilizando atalho da Serra ao Paranan-Itu, entrando tais indicativos nas cartas geográficas como referências para as entradas e bandeiras pelos sertões (Bicudo, 2009).  
Outros Campos Bicudo viriam, e no ano de 1673 coube ao Manuel melhor detalhar a serra com precisão dos acidentes geográficos, anotações sobre as tribos, suas localizações, usos e costumes, e o número estimado de guerreiros. 
Somente com estas referências precisas se explicam a eficiência das ações contra os indígenas, promovidas pelo capitão-mor Jorge Correa, no ano de 1680, na região da serra, visando não apenas capturar índios para escravidão, mas exterminar as hordas selvagens postadas nas morrarias e furnas, com tão extremada violência que entrou para os anais da história como o mais temível predador indígena do século XVII (Apud Donato, 1985: 33 e 38-nr 1).
Com as terras momentaneamente livres da ocupação selvícola, os Campos Bicudo, por estes e outros serviços prestados à coroa e colônia, restauradas portuguesas desde 1640, foram agraciados com as melhores sesmarias em Guareí e Botucatu, citados Antonio Pires de Campos [Pay Pirá], em Guareí; José de Campos Bicudo, em Botucatu; além dos parentes diretos e colaterais, a exemplo do [Capitão] Antonio Antunes Maciel (Domingues, 2003: 10), todos descendentes de famílias bandeirantes e de sesmeiros nas regiões de Carapicuíba, Serra do Jaraguá, Sorocaba, Itapetininga, Itu, Tatuí, Jaú, São Carlos, Boituva, Franca e outras localidades ao sul.
O Capitão-Mor Antonio Caetano Pinto Coelho, Governador Sesmeiro e Loco-Tenente da Capitania de São Vicente, por sua Majestade, com sede em [Nossa Senhora de] Itanhaém, assenhoreou-se de uma sesmaria em Botucatu (Donato, 1985: 40), sendo ele parente dos Campos Bicudo.
No entanto, muitas terras para poucas famílias, perderam-se as eficácias quanto aos propósitos do governo, por aparentes desinteresses dos beneficiados, e, assim, na primeira vintena do século XVIII, a Serra Botucatu era apenas ponto de referência e caminho àqueles que demandavam o sertão, tanto que, em 1705, ainda não conhecido nenhum branco fixado na região, apenas tribos ameaçadoras que outra vez dominavam o território, tanto que, no ano seguinte, foi preciso a entrada de João Pereira de Souza para prear e erradicar índios, numa matança até sem precedentes: "João Pereira de Sousa faz sua 'entrada', consegue ser ainda mais duro que seus predecessores." (Bicudo, 2009: 1).

2. Das sesmarias doadas aos padres inacianos
Em 1713 Antonio Pires dos Campos repassara sua sesmaria, em Guareí, à Ordem dos Jesuítas no Brasil, representada pelo seu parente reitor, o padre tenente Estanislau de Campos. Mais comumente aceito por alguns estudos o doador teria sido José [dos] Campos Bicudo, no mesmo ano.
—Os autores não localizaram documentações suficientes para comprovar a tal doação, de um, de outro ou de ambos, todavia a propriedade, em extensão e largueza entre as margens direitas do Guareí e Paranapanema, teve ocupação jesuítica.
No ano de 1719 os jesuítas receberam, por doação, terras sesmadas na região de Botucatu, advinda do Capitão José [dos] Campos Bicudo. À mesma época, o Capitão Antunes Maciel e o Capitão-Mor Antonio Pinto Coelho, também repassaram suas sesmarias aos jesuítas, em Botucatu (Donato, 1985: 40).
Aos 23 de novembro de 1724, José Campos Bicudo doou à Capela de Santo Inácio, em Botucatu, administrada pelo Colégio Companhia de Jesus, terras que possuía em meação com o genro Antonio Rodrigues Velho, na paragem denominada Guarani (?) rumo ao Paranapanema.
Todas dações ao Colégio da Companhia de Jesus foram em trocas indulgências e ofícios religiosos, podendo os padres usufruírem as terras, sujeitando-se às demais exigências impostas aos sesmeiros.

3. O que foi a fazenda jesuítica em Botucatu
Necessitados em explorar as terras para manutenção da Ordem os jesuítas a fizeram através dos administrados: fiscais, agregados, escravos e índios, com famílias, todos instalados dentro das próprias fazendas, nas sedes, formando os bairros rurais de São Miguel - Capela Velha, em Guareí; Sobrado e Santo Inácio, ambas na Serra Botucatu, sendo certo deslocamentos de homens para locais de serviços distantes, às medidas do crescimento do empreendimento, daí arranchações sazonais.
Os padres, ao receberem as sesmarias, concomitante assumiram compromissos em catequizar e disciplinar os índios, em aldeamentos próximos de núcleos residenciais, impondo-lhes jornadas de trabalho intensivo na forma de serviços gratuitos compulsórios.
A organização econômica para a Fazenda Botucatu determinava sua divisão em áreas distribuídas por atividades, predominando a do gado, e das lavouras diversificadas, gêneros de primeiras necessidades, além do plantio da cana, do algodão, do tabaco e das criações de muares, equinos, suínos e aves; teciam panos, destilavam cachaça, curtiam peles e couros, fabricavam o açúcar, salgavam a carne, faziam conservas diversas - doces e salgadas, embutidos e cozidos conservados em banha, e laticínios - queijos e requeijões.
Os lucros investidos na agricultura destinada ao comércio externo e não somente para o consumo, e mais o comércio de gado e tropas, abriram oportunidades para a chegada de mais pessoas à região, com arrumações de outros povoamentos interiorizados. 
Documentos da Ordem atestam a prosperidade do empreendimento jesuítico com obtenção de duas fazendas - de sete e dez léguas, das instalações de três currais, dos preparos de campos de criar, e das cogitações de levar para lá mais trabalhadores, "ainda que escravos (...)." (Donato, 1985: 39).
Embora os padres explorassem suas terras através dos administrados: mão de obra livre, da escrava e da gratuita compulsória, acredita-se que experimentaram o sistema de parceria no trabalho da terra, através de meeiros, ou seja, aqueles que se ocupavam em produzir livremente nas propriedades que não eram efetivamente suas, mas num sistema divisional em dois quinhões iguais da produção, mais uma porcentagem combinada, aos proprietários, pelo uso da terra.
A prática era comum na época, em que o patrão morava longe, para fazer o trabalhador produzir mais, e os padres não se privariam desta modalidade, daí o expansionismo produtivo e consequente lucro dentro de suas fazendas. Não localizados documentos que possam atestar qualquer parceria do gênero.
A expulsão dos padres jesuítas, em 1759, e os confiscos dos bens a 09 de janeiro de 1760, transformaram os trabalhadores em posseiros, para a garantia das propriedades. Pupo (2002: 9) afirma em seus estudos que "Em meados dos setecentos já havia várias fazendas apossadas nos campos de Botucatu, inclusive junto ao rio Tietê." 
A primitiva fazenda dos padres jesuítas em Botucatu, com o mesmo nome da sede, Santo Ignácio, após confisco, tornou-se Fazenda Boa Vista "nome com que, depois do confisco pombalino, foi levada à hasta pública a propriedade dos jesuítas" (Donato, 1985: 40), adjudicada aos 23 de dezembro de 1766 pelos sorocabanos, capitão Paulino Aires de Aguirre e o sargento-mor Manuel Joaquim da Silva e Castro.
Os arrematantes assumiram a fazenda Boa Vista, depois dividida em partes postas para vendas.
—Ano do leilão público colocado, por engano, 1776, corrigido pelo engenheiro e historiador Paulo Pinheiro Machado Ciaccia - aos 17 de abril de 2023.
Mas, o padre reitor Estanislau de Campos Bicudo, aparentemente, entregara apenas parte da dita Boa Vista ao confisco, depreendido que as tensões entre o Estado e Companhia, a partir de 1750, tenham motivado o reitor transferir maior parte dos bens jesuíticos aos familiares, ou não os efetivar à Ordem: "No ano de 1759, com a expulsão dos jesuítas, as terras [partes] passaram a pertencer a Estanislau de Campos Arruda, de Itu, que passou a ter três sesmarias, e as terras da direita vinham dar em Avaré, Bofete e Porangaba" (Domingues, 2008: 10).
Destas terras de Estanislau de Campos Arruda, diz o pesquisador e escritor Paulo Fraletti:
—"(...) também vi na relação, a formação da sesmaria de Estanislau de Campos Arruda, que chegava até o trecho de Porangaba e Pereiras, pois nos livros de registro de posses e terrenos (sítios) da Paróquia de Tatuí, de 1854 a 1856, existentes no Arquivo do Estado, encontrei vários terrenos comprados por carta particular, de Estanislau Campos de Arruda. (...). Estanislau de Campos Arruda existiam três (...)." (Domingues, 2008: 10).
O padre Joseph Manoel de Campos Bicudo, vigário na paróquia Nossa Senhora da Ponte, em Sorocaba, num batizado realizado em 1776, afirmou que a testemunha Margarida era escrava na sua fazenda no "Uvutucatu" (Livro Batismos 1739/1773: 130).
Segundo o monsenhor Aluísio de Almeida a fazenda jesuítica no Botucatu possuía população não superior a vinte empregados e dezesseis escravos, com a visita anual de um padre. Segundo o informador a fazenda possuía menos de quinhentos vacum e quarenta e três equinos, praticamente em sintonia com a informação de outro jesuíta, Serafim Leite (Apud Donato, 1985: 41).
Talvez ambos tivessem lá suas razões para isto, citar para menos, considerando a parte efetivamente entregue para o confisco. 

4. Das ações do Governo Morgado de Mateus para a região
A expulsão dos padres jesuítas do Brasil (03/09/1759), confisco dos bens (09/01/1760), e destes a hasta pública de parte da fazenda Santo Ignacio - Botucatu (23/12/1766), não excluiu a tentativa das autoridades em recuperar a região, a partir de 1766, na contratação do coronel Francisco Manuel Fiúza (Bicudo, op.cit.), para expulsar ou exterminar índios das terras de 'El Rey', missão levada a efeito com extremada crueldade no cimo da serra e adiante das nascentes e partes do curso do Pardo.
A missão de Fiúza era liberar as terras para que fossem levadas a hasta pública, livres do perigo indígena,  e favorecer ao governo abertura de um caminho para o Iguatemi [em atual estado de Mato Grosso do Sul], estabelecer sesmarias e [re]povoar o sertão, sendo intenção do Morgado, D. Luis António de Sousa Botelho Mourão, a fundação de um povoado no local.
Dá prova do alegado, uma Carta do Morgado ao Conde de Oeiras [Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal], nº 36, datada de 24 de dezembro de 1766 sobre povoações a serem levantadas na então Capitania de São Paulo, em número de seis, num semicírculo alongado compreendendo as atuais paulistas de Piracicaba, Botucatu, Itapeva, uma não realizada no Rio Sabaúna entre Iguape e Cananéia; mais a paranaense de Guaratuba e o então Termo da Vila de Lages - Santa Catarina, criada em 1766, que pertenciam a São Paulo. 
Para Botucatu, oficialmente, destaca-se:
—"(...) no Wotucatú sobre o rio Paranapanema para tentar se se pode restaurar as muitas Fazendas que se despovoarão naquelle Rio depois que abandonamos a navegação delle para o Cuiabá, pertendo juntamente as vargens da Vaccaria de Guaycurú de que hoje se querem fazer senhores os Castelhanos, mandando a ellas cada dous annos huma companhia para ver se os Paulistas as povoão, e hé Director dela Simão Barboza Franco." (Dorizotto – Sermo, Documentos Interessantes - Cartas e registros dos séculos XVIII e XIX referentes a Piracicaba e região, Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba IHGP, 2015: 52 - http://www.ihgp.org.br/wp-content/uploads/2014/09/livro_Doc_Interessantes_bx.pdf).—
Simão Barboza Franco cumpriria a determinação em 1776, oficializando uma povoação no Wotucatu, apagando os traços da denominação Santo Ignácio, para simplesmente Bairro Botucatu, após feito o serviço do Fiúza naquele ano, antes da chegada do já nomeado substituto governo da capitania de São Paulo, o Capitão-Mor Martim Lopes Lobo de Saldanha.
Entendendo Botucatu [Vytycateo, Uvutucatu, Wotucatu, etc] como povoação na serra, antes ou acima do Paranapanema, onde antes a sede da fazenda jesuíta, sendo certo por lá residentes administrados,  posseiros e mesmo alguns sesmeiros, pois para isto destinava-se o arraial (SatoPrado, CD: A/A –assentos ACMSP, Sorocaba, 1739/1773, https://ident.familysearch.org).
Fiúza, pelos serviços prestados, recebeu terras "em cima da serra do caminho que se abrio para Iguatemy daquém do rio Pardo" (Donato, 1985: 45). Igualmente o Simão Franco recebeu sua sesmaria.

5. Da antiga Capela no Cimo da Serra de Santo Ignacio
A 'Fazenda Jesuítica Botucatu', denominada no meio eclesiástico como Fazenda dos Padres da Companhia de São Paulo, ou 'Fazenda Uvutucatu' [Ybytucatu e outras variantes], teve por sede a 'Capela de Cima da Serra de Santo Ignacio' [Inácio], conhecida por 'Capela do Ribeirão da Cachoeira' numa referência toponímica, segundo as tradições.
A fazenda jesuítica tinha sede administrativa e casas para os seus empregados, livres ou não, cemitério e  templo religioso, mas só os padres, em visitas, celebravam ofícios.
Os padres, bons comerciantes, estabeleceram estalagem e empório comercial para os demandadores do sertão, num local onde o entroncamento de caminhos. Fizeram isto na fazenda Sobrado, atual município de São Manuel, rumo ao porto no Tietê onde a passagem para Potunduva: e, se assim, impensável não agirem à mesma maneira em Santo Ignácio em direção ao Paranapanema.
A povoação, sede de fazenda, situava-se no alto da serra Santo Ignácio, em homenagem ao fundador da Ordem dos Jesuítas, Inacianos ou Padres da Companhia de Jesus. Assentos eclesiais de nascidos no lugar, registrados em Sorocaba, confirmam alguns nomes:
-"Francisco: Aos oito dias do mes de novembro de mil sete centos e quarenta e tres annos baptisei e pus os santos olleos a Francisco inocente filho de Jose e de sua molher Mariana administrados dos Revdos Padres da Companhia de Jezus do Collegio de Sam Paulo: forão padrinhos Lourenço e Catarina de que fiz este acento. Pedro Domingues - Vigario." (Sorocaba – Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 25).
-"Manoel: Aos dous dias do mês de Julho de mil setecentos e quarenta e quatro baptizou e pos os santos olleos a Manoel inocente, filho de Valerio e sua molher Catarina, administrados dos Revdos Padres da Companhia, o Padre Frey Maximiano de Cristo com minha licença: forão padrinhos João Dias Vieira, e Branca Maria de que fiz este acento Pedro Domingues - Vigario." (Sorocaba – Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 30).
-"Roza: Aos vinte e dous dias do mes de Fevereiro de mil e setecentos e quarenta e nove annos baptizey e pús os santos olleos a Roza inocente filha de Francisco e de sua molher Maria carijós dos Padres da Companhia do Colegio de Sam Paulo: forão padrinhos, José Machado Leme, soltero, e Eugenia Machado cazada do que fiz este acento. Pedro Domingues - Vigario." (Sorocaba - Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 63).
-"Jozê: Aos vinte e dous dias do mes de Fevereiro de mil setecentos e quarenta e nove annos baptizey e pús os santos olleos a Joze inocente filho de Monica, de pay incógnito administrados dos Padres da Companhia do Collegio de Sam Paulo: forão padrinhos Jose Nunes, casado, e Domingas Mendes, casada de que fiz este acento. Pedro Domingos – Vigário." (Sorocaba – Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 63). 
-Referências: Sorocaba, Paróquia Nossa Senhora da Ponte, Livro de Batismos - período 1739/1773: 63, apud SGU - Family Search.
Com a expulsão dos jesuítas e o confisco dos bens, o governo quis apagar lembranças dos inacianos na região e o nome da fazenda Santo Ignácio tornou-se Boa Vista, para ser levada a leilão, e mais a determinação para a fundação de um povoado na região, por Simão Barboza Franco, ao qual o nome Nossa Senhora das Dores de Cima da Serra ou Nossa Senhora das Dores de Botucatu.

5.1. Registros eclesiais intermediários 
Após a expulsão dos padres jesuítas e o confisco de seus bens, porém antes da arrematação das fazendas Botucatu/Guareí e a fundação de um povoado 'em cima da Serra', algumas famílias de trabalhadores livres, escravos e indígenas, permaneceram no lugar, entre 1760/1776, agora citado como fazenda Vytycatu ou 'que foram dos Padres da Companhia', mas o lugar é o mesmo.
-"Thomazia: Aos dezanove dias do mes Dezembro de mil e setesentos e secenta annos baptizey, e pus os santos oleos a Thomazia inocente filha de Jeronimo e de sua molher Agostinha índios que foram dos Padres da Companhia foram Padrinhos Domingos Pardo cazado e Joana preta escrava de Francisco Pais cazado todos desta freguezia de que fis este acento que asigney. Raphael Tobias de Aguiar - Vigario." (Sorocaba - Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 89).
-"Nataria [Natália?]: Aos catorze dias do mes de marso de mil e setecentos e sessenta e dous annos baptizey e pus os santos a Nataria inocente filha de Maxima escrava que foi dos padres da Companhia e de pay incognyto: foram padrinhos Pedro e Maria indios cazados da mesma fazenda de que fiz este acento que asigney. Raphael Tobias de Aguiar." (Sorocaba - Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 93). 
-"Bartholomeu: Ao primero dia do mez de Setembro de mil sete sentos e secenta e dous annos baptizei, e pus os santos ollios a Bartholomeu inocente filho de Manoel e de sua molher Maria escravos da Fazenda de Vytycatu que foram dos Padres da Companhia, foram Padrinhos Joan Fernandes solteiro e Francisca Fernandes, viuva, de que fiz este acento que assignei. Raphael Tobias de Aguiar – Vigario." (Sorocaba, Nossa Senhora da Ponte, Batismos 1739/1773: 96).
-"Maria: Aos vinte dias do mês de Setembro de mil sete sentos e secenta e dous anos baptizey e pus santos olleos a Maria inocente filha de Maria escrava da fazenda que foy dos Padres da Companhia, sem conhecimento de Paz: foram Padrinhos Antonio Rodrigues [...Luiza...] solteiros de que fiz este acento. Raphael Tobias de Aguiar – Vigario". (Sorocaba – Nª Sra. da Ponte, Batismos, Livro 1739/1773: 96).
-"Domingos: Aos vinte e quatro dias do mes de junho de mil sete sentos e secenta e tres annos baptizey e pus os santos ollios a Domingos inocente filho de Domingos e de sua molher Dina escravos da fazenda dos Padres da Companhia foram Padrinhos Alexandre solteiro escravo da mesma fazenda e Rebeca cazada escrava de Maria de Almeyda todos desta Freguezia de que fis este acento que assignei – Raphael Tobias de Aguiar - Vigario (Sorocaba, N. Srª da Ponte, Batismo 1739/1773: 102).
-"Joan: Aos dizaseis dias do mes de Marso de mil Sete sentos e sessenta e quatro annos baptizei e pus os santos ollios a Joan inosente filho de Maxima e de Pay incógnito administrados dos Padres da Companhia da Fazenda de Vytycateo. Foram Padrinhos Izidoro cazado e Rita Molata solteira escravos de Maria de Almeyda todos desta Freguezia de que fiz este acento que assignei. Raphael Tobias de Aguiar – Vigario." (Sorocaba, N. Srª da Ponte, Batismo 1739/1773:106). 
—"Antonio: Aos vinte e sete dias do mes de julho de mil sete sentos e secenta e seis annos nesta matriz baptizei e pus os santos olios a Antonio, inocente filho de Domingos e sua mulher Dina escravos da fazenda de Uvutucatu. Foram padrinhos Francisco escravo de João Dias Vieira, e Rebeca escrava de Maria de Almeyda Leyte todos desta Freguezia de que fiz este ascento assignado pelo Padrinho com cruz por não saber ler e escrever. Reafirmo, que in verbis todos dessa – Vigario Joseph Manoel de Campos Bicudo." (Sorocaba, N. Srª da Ponte, Batismo 1739/1773: 130).
-"Izabel: Aos vinte e sete de julho de mil sete centos e sesenta e seis annos baptizey e pus os santos olleos a Izabel inocente filha de Maxima escrava da fazenda Uvutucatu e pay incognyto: Forão padrinhos Francisco escravo de João Dias Vieyra e Margarida escrava da minha fazenda de Uvutucatu, todos desta freguezia de que fiz este asento e assignado pelo Padrinho com cruz por não saber e escrever que reafirmo in verbis todos dessa. O Vigario Joseph Manoel de Campos Bicudo." (Sorocaba, N. Srª da Ponte, Batismo 1739/1773: 130).
—Referência: Sorocaba, Paróquia Nossa Senhora da Ponte, Livro de Batismos - período 1739/1773: 63, apud SGU - Family Search. 
O monsenhor Aloísio de Almeida escreveu a situação religiosa dos moradores da antiga fazenda dos jesuítas: 
—"Mais além de Tatuí, os campos de Guareí e Botucatu eram enormes sesmarias dos Campos Bicudos e dos Jesuítas, com algum gado e peões índios. Paulino Aires de Aguirre, aqui residente arrematou em hasta pública a fazenda de Botucatu, cujos agregados, agora índios livres, vinham batizar os filhos em Sorocaba, depois em Itapetininga." (‘Memória histórica sobre Sorocaba’, pelo Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba, Volume V: 178).
No ano de 1772 os assentos eclesiais para Botucatu e região foram registrados em Itapetininga, não mais em Sorocaba, e, num registro de 17 de dezembro de 1776, a antiga propriedade inaciana estava esta identificada como fazenda do El Rey:
Batismo de Anna aos 17/12/1776, mencionando a antiga Fazenda Jesuítica  como 
do 'El Rey, no Votucatu'
—"Anna - innocente: Aos dezasete dias do mes de Dezembro de mil e sete centos, e setenta e seis annos bautizey, e pus os santos oleos a Anna innocente filha de Martinho, e de sua mulher Faustina escravos da fazenda de El Rey, sitta no lugar chamado Vutucatu: forão padrinhos João Peyxoto homem cazado, e Nicacia mulher de Elisbão, também da mesma fazenda, todos desta Freguezia, e para constar fiz este ascento. O Vigario Paulo Severo de Moraes e Oliveira."
—Referência: Itapetininga, Paróquia Nossa Senhora dos Prazeres, Livro de Batismos, período 1772/1805: 15, apud SGU - Family Search.

6. Bairro Botucatu oficialmente reconhecido
A sede da Fazenda de El Rey, no Botucatu, situada dentro das terras outrora jesuíticas e em hasta pública arrematadas pelo capitão Paulino Ayres Aguirra ou Aguirre e o sargento-mor Manuel Joaquim da Silva e Castro, oficializou-se povoação por Simão Barboza Franco, em 1776, não se sabe exatamente a data, certamente algum tempo após a morte de sua segunda esposa, dona Rosa Maria Leite de Sampaio, ocorrida aos 20 de maio de 1776, em Lages, Santa Catarina, relatada por José Luiz Nogueira oficial  (Genealogia Simão Barbosa Franco, 2011: 1-2). 

Também ignorado, num primeiro momento, o nome dado ao lugar, mas com certeza aquele localizado no cimo da serra, identificado no Censo de 1779 para Itapetininga, como Bairro Botucatu e nele relacionados os seus moradores e domicílios. 

Almeida Pinto (1994: 23) escreveu, conforme aventavam estudiosos e historiadores de sua época, ou as tradições, que aquela povoação, fundada por Barboza Franco, apresentava-se, em 1779, com "7 fogos ou casas, com 48 [seriam 46] moradores, incluindo-se os chefes de família, suas mulheres, filhos, agregados e escravos."

Donato dedica todo o capítulo da sua 'Achegas para a História de Botucatu' (7 - 1766, 1985: 47-50), para discordar que o Simão tenha fundado algum povoado no alto da serra, todavia, à página 49, admite que no lugar onde viria ser a atual Botucatu, o Censo Itapetiningano [de 1779] contava sete domicílios e quarenta e seis habitantes.

Do povoado melhor informa o Toledo Piza (2015: 54-57):

—"É de 1779 a mais antiga citação que conhecemos, do bairro do Botucatu, nos maços de população de Itapetininga. São apenas 7 fogos:

-1º fogo: Francisco Leme da Silva, 25 anos Ermenegilda Maria, 16 anos (sua mulher) Escravos: João, Pedro, Miguel, Joaquim, Manoel e Rodrigo;

-2º fogo: Saturnino Pais, 22 anos Escravos: Francisco, Domingos e Manoel;

-3º fogo: José Paes, 43 anos Salvador Leme, 30 anos Francisca de Almeida, Joana (filha), 4 anos. Agregados: Joaquim e Simão.

-4º fogo: Escravos de João Alves: Antônio, 25 anos; Violante, 20 anos;

-5º fogo: Inácio de Barros, 25 anos Bento de Góis, 14 anos;

-6º fogo: João Batista, 53 anos; Joanna Ribeiro (sua mulher), 51 anos Agregados: Salvador, Agostinha, Idaria, Ana e Severina.

-7º fogo: Vitoriano Frz [Fernandes], 40 anos, Rosa Diniz (sua mulher), 35 anos Maria (filha), 6 anos Joana (filha), 5 anos José (filho), 2 anos. Escravos: Elesbão, Martinho, Raimundo, Domingos, José, Vitor, Gregório, Luiz, Maria, Vicência e Faustina.

-Como os escravos aparecem discriminados, deduz-se que os demais habitantes são homens livres. Porém, não há informações sobre seu status: se proprietários, parentes de proprietários, ou simples capatazes; se alfabetizados; se possuidores de renda.

-Podemos, entretanto, esmiuçar esta breve lista para buscar aproximar o perfil desta população - e suas moradas.

-Fogo 1: Francisco Leme da Silva aparece na Genealogia Paulistana, título Prados, e também foi rastreado pelo Projeto Compartilhar. Era de Atibaia, sendo seu pai de Mogi das Cruzes, e seus tios emigrados para o sul de Minas Gerais. Casou-se em 1776 em Itu com Ermenegilda, que era filha de Antônio de Campos Bicudo. O casal Francisco Leme e Ermenegilda teve ao menos um filho, homônimo do avô Antônio de Campos Bicudo, batizado em Itu, e casado em 1803 em Campo Belo - Minas Gerais, onde residiam primos pelo lado paterno.

-Fogo 3: Salvador Leme da Silva, irmão de Francisco, era de Atibaia, casou-se em 1770, em Sorocaba, com Francisca de Almeida. Vale dizer que outros dois irmãos Leme da Silva eram casados em Sorocaba (apesar de não constarem deste recenseamento do bairro do Botucatu), sendo que um deles, João, era casado com Maria Paes de Camargo, possivelmente aparentada a Saturnino Pais, do fogo 2 deste maço, e a José Paes, que coabitava com o casal Salvador Leme e Francisca de Almeida.

-O fogo 4 é unicamente moradia de escravos, em propriedade cujo titular vive distante. O nome João Alves é comum, portanto não foi possível identificá-lo, mas encontramos muitos Alves em Itu, provável local de residência do proprietário.

-No fogo 5 temos dois jovens, possivelmente capatazes, ou filhos de proprietários assumindo as rédeas de suas heranças. Os sobrenomes Barros e Góis são utilizados indiferentemente pelos descendentes do capitão Maximiano de Góis e Siqueira, de São Roque, o que nos leva a supor que estes jovens seriam possivelmente seus netos.

-Fogo 6: Nomes comuns, não foi possível identificá-los entre diversos homônimos parciais encontrados.

-Fogo 7: Rosa Diniz e Vitoriano Fernandes da Costa são relacionados na Genealogia Paulistana. Casaram-se em Sorocaba, terra da noiva, em 1766. Outros acontecimentos da família, segundo Silva Leme: a filha Maria Fernandes se casou em Sorocaba em 1786 (se for esta Maria, casou-se com 13 anos); Ana casou-se em 1792, em Sorocaba (se for a Joana que consta na genealogia, estava com 18 anos); José se casou em 1794 em Itapetininga (teria 17 anos), sendo a noiva de Paranapanema (Apiaí).

-(...)."

—Não mencionado o fogo 2, no qual moradores os escravos Francisco, Domingos e Manoel, sem identificação do senhor.

Dos moradores para o 'Bairro Botucatu', pelo recenseamento, constam sobrenomes de importantes famílias ao lado de uns poucos comuns e de escravos, dentre os quais Elisbão ou Elesbão, Martinho e Faustina, anotados em 1776 como moradores de 'Vutucatu', fazenda Del Rey [outrora dos padres jesuítas], num batismo de 17 de dezembro de 1776 (Itapetinga, Paróquia Nossa Senhora dos Prazeres Livro 1772/1805: 15).

Os escravos identificados, Elesbão, Martinho e Faustina, aparecem moradores no alto da serra em dois documentos oficiais distintos nos anos, 1776 e 1779 aproximando as provas que o 'Bairro Botucatu' foi assentado na sede da fazenda dos padres jesuítas, no 'Vutucatu' [Serra Botucatu], pelo Simão Barboza Franco por ordem do Morgado de Mateus.

Existiu, portanto, um povoado na serra denominado 'Bairro [do] Botucatu', recenseado em 1779, sem referência oficial a qual orago consagrado, que antigos documentos oficiais, referências e tradições, apontam Nossa Senhora das Dores do Botucatu ou do Cimo da Serra Botucatu. Com certeza não foi Nossa Senhora de Sant'Anna que somente viria ser discutida em 1843.

Se efetivamente a invocação de Nossa Senhora das Dores para o lugar, isto sugere a oficialização do povoado em 15 de setembro, data consagrada ao dito orago.


6.1. Quando povoação sob a invocação de Nossa Senhora das Dores

Nos tempos do 'Brasil Colônia' a Coroa, fortemente católica - religião oficial, arcava com o sustento da Igreja, pela lei do padroado, remunerando padres e bispos, além da permissão de construções de templos, em troca do auxílio clerical na exploração do território, na catequização dos nativos e na administração das comunidades surgentes.

Na província paulista, quando do avanço sertanejo no então sertão de Botucatu, os bandeirantes estabeleciam de espaço em espaço as fortalezas e sentinelas avançadas para firmar as conquistas e garantir outras adiante; e o lugar, em se tornando próspero era reconhecido pela Igreja como Capela, mediante recebimento de porção de terra para elevação de freguesia.

Pela Constituição [Imperial] de 1824, o poder civil criava as freguesias através da Assembleias Provinciais, e Igreja confirmava-as como paróquias, no sentido de povoação formada, organizada e territorialmente delimitada, urbana e rural, com suas divisas definidas e extensivas sobre os bairros e capelas que lhe seriam dependentes.

Interessava ao Estado, pois a Igreja era a melhor instituição que atingia diretamente a população, através dos assentos paroquiais de nascimentos, casamentos e óbitos, além dos registros de terras dimensionadas, revelando, assim, o quantitativo e o qualificativo da estrutura socioeconômica regional para as ações políticas de governo, para fins de impostos diversos, eleições e recrutamento militar. 

Havia o empenho da Igreja em acompanhar o desbravamento sertanejo, não apenas como demonstração do forte vínculo histórico da religião católica com o Estado, mas por interesses em auferir e administrar patrimônios dos oragos, em troca de indulgências ou para formações de freguesias, por isso certa tolerância, ou tímidos protestos, nas razias e dadas praticadas contra os indígenas renitentes ao aldeamento e servidão. 

Então, para cada povoação formada o nome do orago antes da identificação toponímica. Impensável diferente para o Bairro [do] Botucatu, daí as referências a Nossa Senhora das Dores como orago do lugar a anteceder os trabalhos de José Candido de Azevedo Marques, encarregado da coleção de todos os 'Regulamentos Provinciais e Atos do Governo de São Paulo (...) desde 1835', na qual Botucatu, a seu tempo, denominada 'Freguesia Nossa Senhora das Dores, na Divisão Eclesiástica, Política e Administrativa da Província de São Paulo' (RG, 1016 - BN, 1875: 105). Tal anterioridade inadmite algum erro de Azevedo Marques na conclusão de seu trabalho, em 23 de maio de 1874, quanto à padroeira do lugar.

Outros documentos de governo ratificam Nossa Senhora das Dores, para Botucatu, no século XIX.

O Relatório da Presidência da Província de São Paulo, para o exercício de 1854, relaciona Botucatu na 15ª Comarca, tendo por cabeça Itapetininga: "Freguezia de Botucatu. Nossa Senhora das Dores é a padroeira de Sua Igreja parochial." (Relatório BMIP 991, de 15/02/1856, exercício de 1854, 02/12/1856: S1-10). 

A paróquia Nossa Senhora das Dores de Botucatu,
do 6º Distrito de Itapetininga - SP.
O Governo Imperial, pelo 'Decreto nº 1822, de 17/09/1856', ao proceder divisões das paróquias da Província de São Paulo por distritos, confirma a "Paróquia Nossa Senhora das Dores de Botucatu".

No Recenseamento do Brasil de 1872, concluído na Província de São Paulo em 1874, às páginas 268/269, traz a publicação oficial para Botucatu, como 'Paróquia Nossa Senhora das Dores de Botucatu' (IBGE).

Outro Azevedo Marques, o Manuel Eufrásio, em seus "Apontamentos Históricos, Geográficos, Estatísticos, Noticiosos da Província de São Paulo(1879: 147, Tomo I)sobre a formação de Botucatu menciona que "(...) o paulista Simão Barbosa Franco foi quem deu começo a esta povoação em 1766 por ordem do governador e capitão-general D. Luiz Antonio de Sousa Botelho Mourão (Morgado de Matheus). A sua invocação é Senhora das Dores"que os autores SatoPrado entendem e justificam como feito concluso em 1776. 

—Eufrásio, sustentado em expedientes oficiais anteriores e estudos do parente José Cândido, não se pronunciaria a respeito em cima de tradições.

Ao patrimônio de Nossa Senhora das Dores o mandador botucatuense Costa e Abreu doara terras, consoante as tradições, porém, sem as formalidades de praxe, para acrescer ao patrimônio da mesma orago no alto da serra. 

Correto, todavia, que o reverendo padre Joaquim Gonsalves de Pacheco, em agosto de 1849, lançou assentos eclesiais referenciando o lugar como 'Freguesia de Nossa Senhora de Santa Anna', num aparente agrado à família Pinheiro Machado, em busca de favores pessoais.

O referido vigário estava sob investigação diocesana por escândalos e comportamentos inadequados com as funções sacerdotais, o que lhe culminou arredado da vigararia de Botucatu a 15 de maio de 1850 (Arquivo do Estado de São Paulo AESP, Documentos, Repositório Digital, Ofícios Diversos, do [Conego] Lourenço Justiniano Ferreira - Vigário Capitular do Bispado de São Paulo, ao Doutor Vicente Pires da Motta Presidente da Província de São Paulo).


6.2. Citações esparsas como Freguesia Nossa Senhora de Santa Ana em 1849

Registros paroquiais de 1849 atestados pelo vigário botucatuense, padre Joaquim Gonçalves Pacheco (... 1848 - 05/1850), transcritos pelo sucessor, Padre Jesuíno Ferreira

Prestes (28/05/1850 - 29/05/1854), informam a localidade como "Freguesia do Botucatu" (Batizados de nº 01 a 46), e, depois, "Freguesia Nossa Senhora de Sancta Anna" (Batizados de nº 47 - 62) acrescida ou não "do Botucatu", sendo tais informações encontradas no 'Registro de Batismos, Botucatu, Livro de 1849/1856, imagens 23 - 34', numa época onde, sem dúvidas, presente a discussão se tal Oraga ou Nossa Senhora das Dores era de fato e direito a padroeira botucatuense no século 19, assunto ainda dividido entre estudiosos e historiadores em 2017.

Não se sabe por qual razão o padre Joaquim Gonçalves Pacheco resolveu ou lhe foi determinado o uso do nome Santa Ana, quando a oraga era Nossa Senhora das Dores. 

Certamente gesto de cortesia para com a poderosa e influente família Gomes Pinheiro, do já falecido capitão José Gomes Pinheiro, o doador de terrenos ao patrimônio de Santa Ana, adicionais ao povoado já existente, que tinha por invocação Nossa Senhora das Dores, e onde localizada a Igreja Matriz. Ou nenhuma mesura, precisando o vigário, em verdade, de favores ou proteções de quem o pudesse socorrer. 

Na época, sabe-se, o sorocabano padre Joaquim Gonçalves Pacheco fora acusado por práticas indecorosas na Paróquia de Botucatu, desconhecendo-se quais seriam elas, mas pronto para de lá ser arredado por ordem superior da Igreja e mais a exigência do Presidente da Província, talvez um dos atos em causa do inocente João, nascido em 1º de julho e batizado aos 12 de agosto de 1849, "filho de Joaquim Gonçalves Pacheco e de Escolástica Maria" (Batismos, Livro 1849/1856: 31), mas a isso nada se acrescenta e nem excluída homonímia.

Mais grave, no entanto, o escândalo envolvendo-o a um homem residente em Botucatu:

—"Ilmo. Exmo. Senhor

Tenho a honra de comunicar a V.Excia. em resposta ao Officio datado de hontem, que nesta data expedi as providencias necessárias afim de não se repetir os escandalos que tiveram lugar na Freguesia de Botucatú entre o Vigario Encommendado e úm individuo ali residente, arredando aquelle Sacerdote para outro lugar.

Deos Guarde V. Esª São Paulo 16 de Maio de 1850.

Ilmo e Exmo Senhor Doutor Vicente Pires da Motta Prezidente desta Provincia.

[Conego] Lourenço Justiniano Ferreira - Vigario Capitular do Bispado [de São Paulo]"

(Arquivo do Estado de São Paulo - AESP, Documentos, Repositório Digital - Ofícios Diversos).

—O documento traz em sua cópia o número 53, o carimbo da Repartição e a sua Catalogação.

As referências apresentadas pelo padre Pacheco assentam-se na doação que o capitão José Gomes Pinheiro fizera em 1843, de terras para o patrimônio de Nossa Senhora de Sant'Anna. Esta e outras doações patrimoniais à mesma beneficiária acham-se documentadas e referenciadas, porém não modificou e nem a instituiu orago botucatuense, embora correto ser esta a intenção do capitão o doador patrimonial primário.

 

6.3. Sant'Anna em alguns Registros Paroquiais de Terras para Botucatu

Alguns registros paroquiais de terras trazem "(...) desta Villa de Sant-Anna de Botucatu" (AESP, RPT/BTCT, 1856: 57 e outros), nenhuma como Nossa Senhora das Dores, o que significa situação de evidente prevalência popular de Sant'Anna como orago da localidade; contudo, as tradições e a vontade pessoal não podem prevalecer sobre o reconhecimento oficial até que este assim venha proceder.

Sem dúvidas, a intenção do capitão José Gomes Pinheiro, político em Itapetininga e influente nome paulista de sua época, dividiu os botucatuenses entre os oragos, afinal a família era a mais notória do lugar, destacada sobremaneira com a chegada do capitão Tito em 1863/1864; porém a oficialidade continuava com Nossa Senhora das Dores do Cimo da Serra Botucatu.

A ambiguidade quanto ao orago já era latente em 1865, quando um missivista do Diário de São Paulo, edição de 09/08/1865: 2, admitiu a dúvida "(...) á esta esperançoza villa de Sant'Anna, e segundo outros, Nossa Senhora das Dores.", conquanto documentos oficiais anteriores e posteriores, inclusive os republicanos, continuassem a identificação por 'Paróquia Nossa Senhora das Dores de Botucatu'.

Em 2018 ressurgiu a discussão quanto a padroeira do lugar na obra: "A Freguesia de Botucatu e os Oragos: Nossa Senhora Sant'Anna ou Nossa Senhora das Dores?", numa exposição do autor, pesquisador e historiador, engenheiro Paulo Pinheiro Machado Ciaccia, descendente direto do Capitão José Gomes Pinheiro Machado.

Para os autores SatoPrado, 'alertadores' aos estudiosos regionais quanto aos registros de 1849 e 1856 em pró Santa Anna, e demais expedientes juntados, os argumentos são insuficientes para a destituição de Nossa Senhora das Dores, como padroeira de Botucatu desde 1776 e todo o século 19, com reconhecimento oficial pelo Governo e Igreja.

De largo às discussões, é inegável Sant'Anna disputante com a Senhora das Dores por padroeira do lugar, até se tornar orago oficializada.


6.4. Doações patrimoniais a Nossa Senhora das Dores e a Sant'Anna

—"Dizem os estudiosos e historiadores que, em 1766, o barbudo e truculento Simão Barbosa [Barboza] Franco, fundando a freguezia de Nossa Senhora das Dôres de Cima da serra, plantou o marco inicial (...)". (Almeida Pinto, 1994: 23).

Mais adiante no tempo, entre os anos 1835 e 1840, Botucatu se achava livre da presença indígena, desde o entradismo de Costa Abreu, que para a garantia de sucesso doou, informalmente, terrenos para ampliar a territorialidade da povoação Nossa Senhora das Dores e, nela, melhor acolhida aos interessados, proprietários, empregados e agregados.

—"Em 1835, com o aparecimento por aqui, do sertanista Joaquim Costa, que resolveu, POSSEAR o Ribeirão que ficou conhecido como 'dos Costas', hoje Ribeirão Lavapés, é que começou de fato a crescer o burgo sertanejo." (Almeida Pinto, op.cit, 1994: 23).

O mesmo autor descreve, mais à frente, que o povoado cresceu pelos tantos mineiros trazidos por Costa Abreu - "a mineirada dos Costas" (Almeida Pinto, op.cit, 1994: 29), além de outros chegantes atraídos pelo progresso e interesses em adquirir terras ou nelas trabalhar, dos prestadores de outros serviços à população, como construtores, consertadores e fazedores de veículos da época, artesãos nas diversas especialidades e tropeiros entre outras profissões. 

Costa Abreu tornou-se mandatário do lugar, até sua morte, em 1840, deixando pendência judicial que lhe movera Gomes Pinheiro, e a ação continuaria sobre os herdeiros, agora capitaneados pelo filho Euzébio da Costa Luz.

Quanto ao Gomes Pinheiro, em seguida à derrota dos liberais em Sorocaba, no ano de 1842, refugiou-se em uma de suas fazendas agrupadas na Monte Alegre, Botucatu, fez encerrar a pendenga contra os Costa, e aos 23 de dezembro de 1843, ainda foragido político, doou terras escrituradas para o patrimônio de Santa Ana, representado no ato por Felisberto Antonio Machado.

Nada incomum as doações a diferentes patrimônios numa mesma localidade. Em Santa Cruz do Rio Pardo, terrenos foram doados, distintamente, à Santa Cruz e ao Santo Antonio; enquanto na São Pedro do Turvo, o ofertante José Theodoro de Souza ali endereçou, separadamente, bens aos santos Pedro e João.

De maneira geral considerava-se, no qual patrimônio assentado o templo religioso principal, para o nome do santo ou santa ser extensivo a todo o povoado, e, assim, no caso Botucatu, a Matriz da primeira construção, se situava dentro do patrimônio de Nossa Senhora das Dores, e carregava o mesmo, e assim se explica a Santa Anna não constar protetora do povoado, ou que este tenha sido levantado sob sua invocação, até em razão de Botucatu anteceder a doação do capitão Gomes Pinheiro. 

De conformidade com documentos oficiais do Império, da Província e da própria Igreja, o lugar Botucatu era denominado Nossa Senhora das Dores, e assim se manteve por décadas pelas mesmas instituições.

A Câmara Municipal de Botucatu, em 1860, num ofício resposta ao presidente da Província de São Paulo, apontou o templo religioso e a maior parte urbana botucatuense, da época, sitos dentro das terras patrimoniais doadas, sem documentações, por Costa Abreu - 'depreensão dos autores em Almeida Pinto - op.cit.' e descendência, sem saber em quais condições (AESP, Documentos Interessantes para Botucatu, 10/10/1860, Caixa 39, Pasta 2, Documento 20), daí a obviedade que referida Câmara de Botucatu, ignorando as circunstâncias e não possuindo documentos a respeito, tenha sido especulativa quanto a doação dos Costa ao patrimônio de Santa Anna, diante da realidade histórica que a Igreja, Província e Império reportavam e continuaram referência ao lugar Botucatu, no restante do século XIX, como Paróquia Nossa Senhora das Dores, inclusive, depois, o regime republicano.  

Segundo as tradições, a denominação Sant'Ana teria sido exigência do capitão Gomes Pinheiro, em lugar de Nossa Senhora das Dores, em homenagem a esposa Ana. Apenas para informar, a mulher de Costa Luz coincidentemente se chamava Ana, e este era o nome, também, da esposa do capitão Francisco de Assis Nogueira, outro doador de porte para garantir a crescimento de Botucatu.

De justeza informar que, apenas em 1876 a família Assis Nogueira ratificou documentalmente a doação de terras feitas nos anos de 1840 pelo capitão Francisco de Assis Nogueira, para o patrimônio de Sant'Ana, aposto em certidão de ratificação de doação, de 16 de junho de 1876, Livro 22 fls. 15v e 16, pela viúva, herdeira e meeira, e os demais herdeiros (Cópia de Certidão expedida pelo 1º Tabelião de Notas e de (…) Botucatu, a 01 de outubro de 2003, gentileza do memorialista Joaquim dos Santos Neto). 


6.5. Da 'oraga' Nossa Senhora Sant'Anna - o que diz a Igreja 
Os autores 'levantaram' documento eclesiástico 'Patrimônios religiosos', de Cavalheiro Freire, publicado pelo Correio Paulistano, edição nº 26273, de 30/10/1941: 5:
—"Matriz de Nossa Senhora Santana de Botucatu - Por meio de uma escritura particular, passada na fazenda de Monte Alegre, aos 23 de dezembro de 1843, José Gomes Pinheiro fez doação à dita matriz, para seu patrimonio, de duzentas braças de terras, que constam de um pasto ou retiro, no lugar denominado Capão Bonito, na fazenda que outrora pertenceu ao sargento-mór João Pires, em cujo campo ha um rincão denominado Rincão da Cerca Velha, hoje conhecido pelo Rincão da Capela, no qual, 'entrando pela esquerda do sobradinho, quasi a entrar, ou depois de entrar um bom pedaço, faz um boqueirão entre duas vertentes, onde houve um rancho queimado, no lado direito, e descendo desta vertente do rancho queimado abaixo pelo veio da agua, sempre pela agua mais acostada do rincão do Campo, até a altura que faz quadra, procurando o rumo da porteira da Contenda, e por esta adiante, pelo mesmo rumo até bater na primeira vertente do lado esquerdo, subindo por esta mesma vertente acima até sua cabeceira, e desta cabeceira tirarse-á uma linha réta a cabeceira de outra vertente mais de cima, que fica em frente à cabeceira do supradito rancho queimado, de cuja cabeceira ao lado esquerdo fazer-se-á quadra e tirar-se-á uma linha réta a bater na mesma vertente do rancho queimado'.-"
—Cavalheiro Freire, trata-se do reverendo padre Paulo Aurisol Cavalheiro Freire, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. 

A escritura transcrita confirma doação do capitão José Gomes Pinheiro de uma porção de terras ao patrimônio de Sant'Anna, sem constar exigência do doador para que o lugar tivesse nome de Santa Ana, do Cimo da Serra ou de Botucatu. 

O que se sabe, documentalmente, é que houve a doação de terras do citado capitão para o patrimônio de Santa Ana, no Botucatu, administrado pela Igreja, mas esta em nenhum momento, no século XIX, deu o nome da referida oraga para a povoação já existente na localidade, continuando a ser, portanto, Nossa Senhora das Dores.


7. Ocupações na Serra Botucatu - século XIX 

7.1. Incentivos para investir
A Carta Régia de 05 de novembro de 1808 permitiu e incentivou as denominadas guerras justas contra indígenas, em parte do território paulista de então, abrangendo os campos de Itapeva e, por extensão e afrouxo legal, os sertões de Itapetininga atingindo os caminhos e o alto da Serra Botucatu. 
Ao Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo, Antonio José da França e Horta, constou inequívoca a determinação real:
—"(...). Em primeiro logar que logo desde o momento em que receberdes esta minha Carta Regia, deveis considerar como principiada a guerra contra estes barbaros Indios: que deveis organizar em corpos aquelles (...) que voluntariamente quizerem armar-se contra elles, e com a menor despeza possivel da minha Real Fazenda, perseguir os mesmos Indios infestadores do meu territorio; procedendo a declarar que todo (...) morador que segura algum destes Indios, poderá consideral-os por quinze annos como prisioneiros de guerra, destinando-os ao serviço que mais lhe convier; (...)." (Carta Régia de 05/11/1808, Coleção de Leis do Império, 1808: 156 - Volume 1).
Os índios, assim entendido e justificado no Ato Régio, matavam fazendeiros e obrigavam retiradas de famílias, despovoando os sertões, com o abandono das sesmarias e fazendas, tornando-as devolutas - retornadas à Coroa, assim como devolutas as terras ocupadas por tribos hostis, renitentes à civilização e atravancadoras do progresso.
Abriu-se, com isto, brecha legal. Qualquer que se aventurasse na empreitada de retirar índios, exitoso e sem custos para a Real Fazenda, conquistava uma propriedade, pelas regras de sesmarias, podendo mesmo dividi-la em propriedades menores sob justificativa de povoa-las, podendo incorporar outras através de recibos de compras, verdadeiros ou arranjados, e avançar domínios sobre áreas desocupadas - sob justificativas que índios bravos habitam nelas.
De resto, numa guerra declarada, podia-se matar índios ou aprisiona-los para serviços gratuitos no empreendimento, inclusive vende-los para servidão.
Os fazendeiros então se apresentavam com títulos de posses, reais ou não, e avançavam sobre pequenos posseiros que não apresentassem registros de propriedade.

7.2. O Capitão José Gomes Pinheiro e outros fazendeiros no Botucatu
José Gomes Pinheiro [Velozzo], nascido aos 9 de outubro de 1784, em Santos (SP), filho de Damião Cosme [Albornóz] Pinheiro e Joaquina Rosa [Gomes Pinheiro Vellozo] de Jesus, casado com Anna Florisbella Machado de Oliveira [e Vasconcellos], aos 8 de outubro de 1816, sendo ela nascida em Paranaíba - SP, filha de Maximiano de Góes e Siqueira Leite e Antônia Caetana Machado de Oliveira e Vasconcellos (Matrimônio - São Paulo, Matriz Nossa Senhora da Assunção [Sé], Livro 1812/1832: 268, SGU - Family Search)
O capitão Gomes Pinheiro, vindo a residir em Itapetininga, a serviço da Companhia de Ordenança - anterior à Guarda Nacional, com título e farda de oficial, para tornar-se importante nome regional de sua época. Rico e político liberal atuante, adquiriu três fazendas [das Pedras, Morrinhos e Capão Bonito] em Botucatu, reunindo-as numa só, a Monte Alegre, endereço que lhe serviu de esconderijo quando da fracassada Revolução Liberal de 1842 (Marins, 1985: 14).
Em 1808 o Capitão Gomes Pinheiro chegou à Serra, aonde a povoação Nossa Senhora das Dores, dimensionando e agregando para si terras abandonadas ou de ocupação indígena, adquirindo em 1816 a antiga sesmaria do Capitão João Pires de Lara, nome modificado para João Pires de Almeida Taques, e em seguida apresentar-se demandador contra pequenos posseiros por lá instalados.
Outros grandes proprietários igualmente chegaram ao alto da serra com as mesmas intenções do Capitão em apossar terras, tomando-as dos índios, adquirir outras e formar grandes fazendas. 
Nos anos de 1820 a localidade, Nossa Senhora das Dores, apresentava população flutuante, porém radicados os capatazes e trabalhadores de fazendas próximas, livres ou não, num lugar carente de recursos, com raros assentos eclesiásticos, lavrados e levados para, primeiro Sorocaba e, depois, Itapetininga.
Se os índios aparentemente se davam bem com os arranchados e pequenos posseiros, descendentes de antigos trabalhadores na Fazenda Jesuítica, o mesmo não acontecia em relação aos intrusos que o Capitão pretendia instalar, e nem com os fazendeiros divisos que chegavam; contudo, as aplicações da Carta Régia de 1808 distanciavam os indígenas, belicosos ou não.
A favor dos índios, a Lei Imperial de 27/10/1831 revogou as Cartas Régias de 1808, que permitiam a guerra contra eles e servidão dos capturados: "Art. 1º. - Fica revogada a Carta Régia de 5 de Novembro de 1808, na parte em que mandou declarar a guerra aos Indios Bugres da Província de S. Paulo, e determinou que os prisioneiros fossem obrigados a servir por 15 anos aos milicianos ou moradores que os apprehendessem. (...)."
Isto tirou o ímpeto de novos chegadores, e em 1835, apenas quatro fazendeiros ocupavam terras no Botucatu, administradas por capatazes e empregados, livres ou não:
- Capitão José Gomes Pinheiro Velozzo, dono da propriedade Monte Alegre formada pelas fazendas Capão Bonito, Morrinhos e Pedras.
- Capitão Ignacio Dias Baptista, o célebre Capitão Apiaí, casado com D. Flávia Domitila Monteiro, proprietário da Fazenda Rio Claro.
- Capitão Raymundo de Godoy Moreira, casado com D. Ritta Machado de Moraes [Morais], teve as fazendas Boqueirão e Pulador, a seu tempo repassando-as aos genros Capitão Major José Inocencio da Rocha - casado com Francisca de Morais Ferraz, e o Capitão Joaquim Gabriel de Oliveira Lima - casado com Maria da Anunciação Ferraz (Itapetininga, Livro de Matrimônios, 11/03/1834: 3 - para ambos os registros).
- João Marques, possuidor da Fazenda Bom Jardim, e sesmeiro agrupado a outros na região botucatuense - neste consórcio o Rio Tietê por referência.
Desde a edição da Lei Imperial, de 27/10/1831, quase somente indivíduos erradios chegavam ao sertão, "incrementado por causas diversas e poderosas: fuga ao recrutamento, perseguições políticas, receio à ação policial, deserção dos contingentes de tropa e da polícia" (Donato, 1985: 51). Tais homens, que traziam armas brancas e de fogo por ferramentas de trabalho, encontravam serviços de encomendas, como os assassinatos, guardas de posses, invasões de propriedades, mas não eram práticos nos combates aos índios.
A situação se modificou com a chegada de Joaquim da Costa [e] Abreu, com o qual o Capitão Comes Pinheiro fez acordo verbal de posses, 'mato e campo', sendo o 'campo' para o Capitão e 'mato' para Costa Abreu. O Capitão Gomes Pinheiro enxergara em Costa Abreu o homem certo para garantir a estabilidade do lugar, livre da presença indígena, então de melhor agrado consentir-lhe na ocupação das matas, sem qualquer outra razão que não o aumento seguro de suas posses.

7.3. Desentendimentos entre parceiros
Unidos no célebre acordo verbal de posses, 'mato e campo', Gomes Pinheiro e Costa Abreu se desentenderam com acusações mútuas; ou o Gomes Pinheiro teria se arrependido do combinado, ou, o Costa Abreu descumprido o tratado ao invadir e assumir para si parte dos campos, e entre eles a 'Contenda da Porteira'que os zelosos de Costa Abreu defenderam a bala impingindo derrota ao bando do Capitão.
Insatisfeito o Gomes Pinheiro entrou em juízo para reaver pressupostos direitos, mas Joaquim da Costa Abreu morreu antes da decisão, no ano de 1840, e em seu lugar assumiu o filho Euzebio da Costa Luz, político conservador.
— Todo o histórico, até onde possível, sobre o tropeiro povoador de Botucatu, Joaquim da Costa e Abreu: https://celsoprado-razias.blogspot.com/2009/12/joaquim-da-costa-e-abreu-o-tropeiro.html
A ideação política liberal do Capitão Gomes Pinheiro levou-o partícipe na Revolução de 1842, em Sorocaba, e lá se encontrava o adversário conservador Euzebio da Costa Luz, feito prisioneiro dos liberais, liberto a força pelo mineiro José Theodoro de Souza, futuro conquistador do sertão.
Fracassada a Revolução Liberal, Gomes Pinheiro refugiou-se numa de suas fazendas, em Botucatu, bem ao alcance de Costa Luz, e entre eles um novo acordo em 1843: o Capitão renunciaria a ação judicial e doaria porção de suas terras, que fez documentar para o patrimônio de Santa Ana, para o aumento do povoado já existente. Não praticaria a primeira parte de simples bom grado. 
Com a anistia imperial de 14 de março de 1844 e a formação de um Ministério Liberal, Gomes Pinheiro retornou a Itapetininga, para eleger-se vereador - eleições municipais de 1844 e trabalhar em pró uma freguesia no Botucatu, sob a invocação de Santa Ana.

8. Freguesia pretendida
Uma primeira vez se pensou numa povoação, na região de Botucatu, independente de Nossa Senhora das Dores, com pretensões a Freguesia. 
Assim, Felisberto Antonio Machado, fazendeiro e morador no Botucatu, numa carta requerimento de 12 de junho de 1840, à Assembleia Provincial de São Paulo, informava e requeria:
—"Diz Felisberto Antonio Machado morador de cima da serra de Santo Ignácio, Districto da Villa de Itapetininga, que sendo este lugar bocca de sertão, começado a lavrar há cinco annos n’esta [ilegível] pela fertilidade das terras para ella tem concorrido muitas pessoas e continuão a concorrer não só d’esta província como da de Minas e já contém oitenta e tantos fogos com muito mais de trezentas e quarenta e cinco almas e sendo aí povoações que se achão mais próximas as villas de Itapetininga e Constituição das quaes dista vinte légoas, com [ilegível] diferença que grande parte d’ellas acha-se [ilegível] partes dos recursos da Igreja, morrendo os fiéis sem o sacramento da penitência e da Extrema Unsão e sendo seus corpos enterrados em lugar não sagrado pela impossibilidade Parocho accudir aos moribundos, e de se transportarem os corpos para os cemitérios mais favoráveis O suplicante vem perante V.Exas. requerer sirvão-se exigir as informações que na sua sabedoria julgarem necessárias acerca da veracidade do allegado e bem assim de huma Capella que o suplicante está edificando com o socorro d’outros moradores, no Capão Bonito hum quarto de légua arredado do Campo está colocada no lugar que mais comodidade oferece aos moradores, tanto por sua proximidade como por ser regado pelo Ribeirão denominado Cachoeira que pode ser conduzido ao páteo da Igreja, e já he o mais abrigado dos índios afim de evitar os estragos dos quaes alguns dos moradores tem sido victimas, e demais disto laborar sobre a urgente necessidade que há, de alli criar-se uma Freguezia [ilegível]. Para Vossas Excelencias sejão {ilegível] de fazer na forma requerida – a) Felisberto Antonio Machado" (Apud Godoy, A história do Capitão José Gomes Pinheiro, 2000: 39-40). 
Felisberto, pela apresentação e justificativas dadas, pretendia a formação de novo povoado, em sua propriedade, cujo local apresentava-se com melhor localização, segurança e comodidade, para ser fazer uma freguesia.
O documento, aparentemente, não sensibilizou a Assembleia e, assim, o mesmo Felisberto Machado juntamente com João da Cruz Pereira e Manoel de Almeida, em 1843, encabeçaram abaixo assinado, com mais de duzentas assinaturas ao governo provincial, ratificando o pedido de 1840 (Godoy, op.cit, pgs. 38 e 41).
Os pedidos, unificados, chegaram à Câmara Municipal de Itapetininga, para algum procedimento verificativo, sendo designado para vistoria o Suplente de Delegado de Polícia de Itapetininga, Francisco José Coelho, cujo relatório datado de 23 de março de 1843: 
—"...com effeito o logar em que se acha edifficada huma Capella hé próprio para huma Freguezia, visto que contém de mais de setenta fogos, ...tem muito boas mattas e agoadas, e prometer muitas vantagens, ficar na inbocadura de huma estrada que parte para Constituição, ou, para Minas Geraes, eis o que posso informar a ..." o relator, Francisco José Coelho, Delegado de Polícia [Suplente] de Itapetininga. (Apud, Figueiroa - João Carlos, A história de Botucatu, A Capela do Ribeirão da Cachoeira...a tentativa de criar uma Freguesia em Cima da Serra de Santo Inácio).
O delegado não subiu a Serra. O capitão José Gomes Pinheiro, homiziado em uma de suas fazendas na região, Botucatu, em causa da Revolução dos Liberais de 1842, não podia correr riscos, e o relator policial, pelo que se depreende, informou de uma localidade já existente, Nossa Senhora das Dores.
Por determinação de autoridade, realizou-se nova vistoria, a 03 de maio de 1843, desta feita pelo coletor, Francisco de Paula e Mendonça:
—"Na Serra de Santo Ignácio não existe Capella alguma, porém consta-me estar o supplicante fundando hua em seo sitio em Cima da Serra, tres legoas distante della; ignoro se está em logar sufficiente, apto para Matris, visto que não foi construido para esse fim. ... Sobre o numero de Povos também ignoro, pois ...apenas alguns fregueses tem procurado para alguns sacramentos, como baptismo e Matrimonio; procurei saber do subdelegado desta Villa o numero de fogos, não me soube informar. Hé necessidade de extrema (...) formar-se hua Freguezia naquelle Bairro porém, ao meo pensar, não deve ser em tal logar, mas sim aquém da Serra, no Ribeirão denominado S. Ignacio, onde está muito povoado, e que dysta desta Villa des legoas, cujos habitantes também não podem com promptidão ser socorridos dos Sacramentos;..." (Figueiroa, op.cit.).
As pretensões de Felisberto ruíram, pois, segundo o relator, já existia por aquelas bandas um lugar povoado, certamente Nossa Senhora das Dores de Botucatu, que deveria receber foro de freguesia. 
Felisberto não obteve sucesso, porém o seu Capão Bonito se fez povoado e, em 1916, lhe foi dado o nome Rubião Junior, distrito do município de Botucatu; mas isto, ainda merece melhores estudos e apresentações de documentos.

9. Outra vez um pedido para nova freguesia
Unida a povoação botucatuense da época, com dois patrimônios distinguidos, o Capitão Gomes Pinheiro em 1845 apresentou e defendeu junto à Câmara Municipal de Itapetininga, onde vereador, que o lugar fosse elevado à condição de Freguesia, sob a invocação única de Santa Ana, com aprovação dos seus pares e o processo encaminhado à Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, para as providências finais de competência (ALESP, EE 46.61-64). 
Político hábil, Gomes Pinheiro colocou, como argumento ao pedido, uma série de improbações contra seus adversários e a péssima condição de segurança pública, onde se toma o preso das mãos da polícia, protege assassino e acolhe bandido, num apontamento indireto ao Euzebio da Costa Luz que fez soltar em Botucatu e colocar em lugar seguro na região do Paranapanema/Itararé, o Dionízio Tavares ou Pereira da Silva, assassino do Senador do Império, por Minas Gerais, o Padre José Bento Ferreira de Mello. 
O lugar, justificava o expediente camarário, precisava da fé católica, e sem dizer o nome da povoação referenciava-o, apenas, Distrito de Cima da Serra, com duzentas ou mais moradias, cuja população empenhada na construção de templo religioso dedicado a Santa Ana que, pela vontade do Vereador Gomes Pinheiro, deveria ser o nome da freguesia pleiteada. 
A Igreja tinha sua própria maneira em atender reivindicações para recebimento de doações patrimoniais, podendo conceder ou não faculdade para se fazer a fundação, ereção e edificação de capela ou templo religioso, em próprios do bem recebido, e uma vez aceito deverá constar no Livro do Tombo da Matriz Forânea, mas nela não se poderá, sem licença especial, celebrar ofícios religiosos, para os quais dependerá de rigoroso processo interno, com informações do lugar, capacidade do edifício e outras observações inerentes, com a proibição de invocar proteção de padroeiro ou padroeira sobre a construção, pois competência exclusiva da Igreja, independente da denominação do povoado. Como exemplo, a Carta de Provisão para a construção de capela em São Pedro do Turvo (Livro de Registro de Provisões da Diocese de São Paulo, 1851/1857: 44-45).
Findas as tramitações de praxe a Assembleia Legislativa encaminhou ao Presidente da Província a decisão: "Artigo Único – Fica creada hua Freguezia no Districto de Cima da Sérra de Botucatú, Municipio de Itapetininga, e o Governo designará as divisas, ouvindo a respectiva Commissão, revogadas as disposições em contrario."
A redação não trouxe o solicitado nome da padroeira, e aos 19 de fevereiro de 1846 o Presidente da Província de São Paulo, manteve a mesma conduta, ao assinar a Lei Provincial nº 7, criando "uma Freguezia no districto de cima da Serra de Botucatú, Municipio de Itapetininga", sem mencionar a oraga pretendida e assim mantido o nome eclesial anterior. 
No ano de 1869, indicando povoação crescente, ocorreram diversas doações particulares oficializadas ao patrimônio de Sant'Ana: Domingos Soares de Barros, Joaquim Gonçalves da Fonseca, José R Cezar, Braz de Assis Nogueira, Manoel J Machado, A. J Cardozo d'Almeida, Francisco X A Pires, Manoel de Arruda Leme, Manoel G de Faria, José Emygdio de Barros, Dr. Bernardo A R da Silva, João B A Cezar, Tito Correa de Mello e D. Leonor da Silva Bueno.
Em 1845 Gomes Pinheiro colocou a venda seus bens em Botucatu, continuando a residir em Itapetininga.

10. Documentos oficiais sobre a criação da Freguesia de Botucatu
Transcrições de documentos inerentes, mantidas grafias da época (ALESP, Documentos do Império):
—EE 46.61 - Da Comissão de Estatística  
"A Commissão d'Estatistica foi prezente o officio do Secretario do Governo que acompanham a reprezentação da Camara Municipal da Villa de Itapetininga em que péde a erecção de hu'a Freguezia no Districto da Sérra de Botucatú, onde os moradores do mesmo estão edificando hu'a Capella sob a invocação de Sancta Anna, não só pela população que já contém, como tão bem pelas proporções que oferece o terreno para hu'a florescente povoação, tanto pela grande estenção como pela sua fertilidade, e attendendo a grande distancia, em que está da Villa de Itapetininga oferece o seguinte projecto. 
A Assembléa Legislativa da Provincia de S. Paulo decreta: 
-Artigo Único – Fica creada hua Freguezia no Districto de Cima da Sérra de Botucatú, Municipio de Itapetininga, e o Governo designará as divisas, ouvindo a respectiva Commissão, revogadas as disposições em contrario. 
Paço d'Assembléa Legislativa de SP 6 de Fevereiro de 1846. 
a) [Francisco José de] Azevedo Junior, [Francisco] Alvares Machado [de Vasconcellos], [Bernardo José Pinto] Gavião Peixoto." 

—EE 46.62 - Encaminhamento pela Presidência da Província à Assembleia Provincial
"De ordem de S. Exª Snr. Marechal de Campo Prezidente da Provincia passo ás mãos de V. S. a inclusa representação da Camara Municipal da Villa de Itapetininga, datada de 20 de Dezembro último, em que péde sêr elevada á Freguezia a Capella denominada Sant'Anna no Districto de Cima da Serra no Botucatú; afim de que se digne V.S. submetella á consideração da Assembléa Legislativa Provincial. 
Deos guarde a V.S. Secretario do Governo de S. Paulo 17 de Janeiro de 1846. 
-Senhor Doutor Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, 1º Secretario d’Assembléa Provincial. 
a) Manoel Joaquim [Henriques] de Paiva – Secretario do Governo." 

—EE 46.63 - Da Câmara de Itapetininga à Presidência da Província - justificativas
"É o districto d’cima da Serra do Botucatú neste Municipio há hua afluencia de duzentas e mais fogõens e já estão estes Povos erigindo hua Capella com a denominação de Santa Anna, com a intenção d’formarem hua Freguezia, o que é de absoluta necessidade afim d’cultivar-se este povo na deciplina da Igreja, e terem os socorros Esperituais; e assim tambem a cultivação policial que por-óra esta está, pela longitude, sem força praticando-se actos desregrados, bem como soltando-se prezos 
das mãos do Inspector, e athe perpetrando-se assassinatos, e presentemente he onde muitos creminosos d’diferentes partes achão abrigo, tudo por falta de Força Policial; hua ves que neste lugar se criasse hua Freguezia afflueria gente mais grada, crearião-se Authoridades e assim teria a Justiça seo vigor, ou pelo menos seria o malvado atropelado para não passear impune, e melhoraria este mal.
He inegavel que aquelle territorio tem propriedades para berço de hua populoza villa, por que á abundancia de campos, a lem de outros que se poderão descobrir, boas mattas de cultura fertilizadas de vertentes, colocadas entre dois poderozos Rios, Paranapanema e Tiethe, clima salubre e abundancia d’peixe e cassa; a canna, café, fumo, e algodão, tem ahi franca vegetação, portanto tudo com corre para ser hum pais d’trancidente [transcendente] utilidade, alem do immenço terreno que compriende este Local que vae findar nas margens do Parana.
Entre tanto a Camara Municipal expressa que seja atendida sua representação para evitar os males que ja aparecem, erigindo-se hua Freguezia na supra dita Capella de Santa Anna no districto d'Sima da Serra do Botucatú. A mesma Camara Municipal lembra que onde fas barra o Rio pardo no Paranapanema ha um estenço terreno de Mattas d'cultura muito boas, e apropriado o lugar para edificar-se huma collonia estrangeira assegurando ser lugar salubre. 
Deos Guarde a V.Excia. por muitos annos. 
Paço da Camara Municipal de Itapetininga em Sessão Ordinaria de 20 de Dezembro de 1845. 
Ilmo Exmº Senhor Presidente da Provincia de S. Paulo.
a) José Aires de Oliveira, José Gomes Pinheiro, Joze [...] Soares, Gervazio Protazio [...], Francisco Pinto [...] de Mello.

—EE 46.64 - A opinião da Chefatura de Polícia da Província
"Tenho a honra de enviar á V.Exa. a inclusa reprezentação da Camara Municipal da Villa de Itapetiniga em que expõem a necessidade de ser elevada á Freguezia a Capella denominada de Santa Anna, no Districto de cima da Serra do Botucatú, sobre o que cumpre-me informar á V. Exa., que sendo verdadeiro o allegado pela Camara, segundo me informarão ? varias pessoas fidedignas, e atendíveis as razões, que apresenta para ser elevada a Freguezia a dicta Capella, parece-me que se deve deferir a a tal justa pretenção. 
Deos guarde à V. Exa. Secretaria da Policia de S. Paulo 16 de Janeiro de 1846. 
Ilmo. Exmo. Conselheiro Manoel da Fonceca Lima e Silva, Presidente da Provincia. 
a) Joze Christiano Garção Stockler 
Chefe de Policia."