domingo, 20 de dezembro de 2009

04. Dos povos e nações indígenas

04.1. Raízes das desigualdades para culturas aparentemente próximas
Índio Carajá. Acervo: Escola Leônidas do
Amaral Vieira - SCR. Pardo-SP
—Os povos indígenas apresentam duas fases distintas no sertão paulista para a região botucatuense e adiante, entre os rios Tietê e Paranapanema, até o rio Paraná. 
Os primeiros relatos sobre os índios brasileiros chegaram à Europa antes da metade do século XVI, através dos degredados postos por Portugal em terras do Brasil, homens que contataram mais as aldeias litorâneas do tronco linguístico Tupi-Guarani. 
Talvez, por isso, as informações que os traços culturais e fisionômicos indígenas fossem idênticos para todas as nações ameríndias, somente mais tarde a entender que, tal qual a língua, também eram diferentes os costumes, as crenças, as formas de organização familiar e social.
Também as técnicas artesanais e a cultura entre outras aparentes similitudes, não podiam ser vistas como iguais diante das tantas variações, mesmo de grupo para grupo dentro de uma mesma nação, a depender do meio, posto as próprias tribos nada coesas e que facilmente se fragmentavam (Jorge Junior, 13/08/1967).
Ainda assim convencionou-se, de maneira geral e não unanimemente, que o conjunto de famílias indígenas de uma mesma etnia ou agregada formava uma tribo. À união de tribos semelhantes denominou-se nação, a qual ligada culturalmente a outra, com iguais usos, costumes, tradições e tabus, além da língua com dialetos tribais comuns ou compreensíveis, formava um povo.
Pelos didáticos, todo território paulista, quando do descobrimento, estava ocupado por homens da selva, por isso denominado silvícola ou selvagem, embora dita ocupação não fosse assim total, pois se as tribos viviam em vastas áreas, maiores eram os espaços entre elas, com população mais concentrada em faixas litorâneas e adjacências, enquanto os interiorizados tinham certa predileção pelas encostas nas serras.
A região do Planalto Ocidental Paulista era habitada por tribos indígenas Tupi-guarani e os Jê-tapuias que, se diferentes nos aspectos da vida coletiva, sejam os relacionados à produção e transmissão de conhecimentos ou estados de desenvolvimento social, sejam aqueles resultantes do aprimoramento dos valores, das atividades individuais e desenvolvimentos intelectuais, postos ou não para a comunidade, é comum apontá-las com usos e costumes mais ou menos próximos, numa generalização quase sempre incorreta.
Compreendem-se da mesma forma as distinções culturais gradativas entre Tupis e Guaranis iniciadas desde o século V, até por volta de 1500, quando já se apresentavam novamente separados. Todavia opta-se pelo entendimento tradicional 'Tupi-guarani', por certas correlações entre seus locais, formas de ocupações e alguns outros aspectos indissociáveis de origem comum para os dois povos, além da compreensão que diferenças culturais são perceptíveis até mesmo numa mesma nação indígena.
Excluídas, portanto, as diferenças mais ou menos observáveis quando das distinções de grupos que permearam todo o Planalto, antes dos conquistadores do século XIX, realmente tem-se que suas culturas apresentavam quase semelhante modelo de direito consuetudinário com regras e valores para controle social ou da vida em sociedade, como os direitos, deveres, obrigações e responsabilidades comuns, recíprocas e familiares, ordenados todos como práticas mantenedoras da ordem tribal.
Original ou não, a doutora Thais Luzia Colaço aponta para certos ordenamentos sociais e jurídicos em sociedades indígenas do Brasil, cujo indivíduo "respeitava a tradição, obedecendo as normas de convívio social instituída pelo grupo" tanto que, prossegue Colaço, "burlar os costumes seria desrespeitar os tabus, seria irar os deuses e a natureza, trazendo consequências catastróficas ao indivíduo infrator e à comunidade em geral, colocando em risco a integridade do grupo" (Colaço, 1998: Capítulo 5).
Índio Nhambiquara mostrando algum objeto. Acervo: Escola
Leônidas ao Amaral Vieira - SCR.Pardo-SP 

Os aborígines obedeciam, portanto, a um conjunto de normas e regras sociais, crenças religiosas e ritos relacionados aos totens, com vaga adoração ao fogo [pelo raio] como lembrança de um ser superior (Jorge Junior, 12/03/1969), cuja voz era o trovão, com inúmeras divindades menores protetoras familiares ou individuais, dos certos gênios e espíritos de bem estar tribal, em oposição aos seres maléficos que tanto lhes causavam medos e terrores; valorizavam os sonhos, respeitam os tabus, acreditavam em presságios e faziam oblações.
As sociedades eram voltadas à família, todavia sem tutela ao indivíduo que bem podia ser suprimido em ato votivo, de acordo com superstições, por transgredir tabus ou exercer feitiçarias - delito sociocultural, em contraposição ao pajé.
Os responsáveis familiares tinham direitos sobre a vida de seus dependentes, crianças, velhos, inválidos e os gravemente enfermos, podendo matá-los ou enterrá-los vivos, por questão de sobrevivência tribal ou fuga difícil, embora os velhos, enfermos graves e inválidos viessem ser usados - mais adiante na história, para atrair incautos brancos que gastavam munições pensando atacar aldeias de guerreiros.
As rixas resolviam-se com discussões entre os envolvidos, quase nunca levadas ao Conselho dos Anciãos, optando-se pelo embate corporal em particular, raramente com armas, mas quando usadas tinham de ser iguais em poder, por exemplo, chicote com chicote, espada com espada, jamais arco e flecha. O perdedor se calava sem revides às ocultas, pois se para um guerreiro era vergonhoso não saber se defender, covardia maior seria usar arma superior ou tocaiar o adversário, caso considerado de grave afronta tribal e crime passível de morte.
Um índio podia ter várias mulheres, direito dos mais empreendedores, orgulhando-se o homem de sua numerosa prole (Jorge Junior, 12/031969), mas usos e costumes indígenas referentes ao matrimônio variavam de tribo para tribo, inclusive conforme a época e condições da comunidade. De ordem geral não se permitia casamento entre pais e filhos, tios e sobrinhos, primos entre si, irmãos e avós com netos, cujas transgressões puniam-se com a morte.
Havia, no entanto, liberdade sexual - homem e mulher sem compromissos, mas à mulher cessava tal liberdade quando viesse se casar; com a chegada dos brancos e mortes de tantos guerreiros, tornaram-se comuns casamentos de meninas de doze anos com sexagenários e com parentes, para sobrevivência da comunidade. Cunhado solteiro geralmente casava-se com a viúva do irmão para manter linhagem – prática do levirato, enquanto o viúvo casava-se com a irmã da falecida, regras do sororato, podendo, ainda, ocorrer casamentos experimentais.
Índios Botocudos - dois homens usando roupas originais.
Foto de domínio público.
O aborto era forma de controle da natalidade, e o infanticídio podia ocorrer quando necessário.
Mulheres mais idosas ou que os maridos as tornassem livres – quando já não mais reproduziam, substituídas por jovens, eram mestras em iniciar sexualmente os mancebos. Tinha-se o homossexualismo por prática tolerada, não estimulada, com narrativas coloniais (Marques, referência em "Náufragos, Traficantes e Degredados", obra de Eduardo Bueno, 1981/1982) que índios afeminados, senão perseguidos, sofriam deboches dos guerreiros, havendo mais aceitações às mulheres que vestiam e se comportavam como homens, em relação às índias, lesbianismo, inclusive de certas viragos que iam às guerras, tarefas quase exclusivamente masculinas.
Mais caçadores, coletores, pescadores, alguns dados a cultivos de espécies comestíveis, os indígenas não possuíam animais arrebanhados (Gomes, 1972: 40), à exceção de grupos caingangues que alimentavam antas em cercados, consideradas como ofertas dos deuses aos humanos para suprimento de suas necessidades, num aspecto aparentemente mais religioso que de pastoreio, propriamente dito. Quase todas as famílias tinham bichos de estimação, a exemplos de araras, papagaios, maitacas, macacos e tartarugas.
Em 'O Povo do Mato e o Povo da Cachoeira' (João Carlos Figueiroa, Revista A História de Botucatu, nº 3), deu-se referência ao costume tribal de grupo Caingangue em relação ao tapir [anta] e o uso de chás da planta silvestre "ûyólo nya tëí", preferida pelo animal e de cujas sumidades os índios faziam chás para banhos e ingestões em cerimoniais representativos, certamente por considerar referido animal uma dádiva dos deuses.
Contavam com indústria rudimentar voltada para as necessidades básicas do dia a dia, como arcos, flechas, bordunas, lanças, facas, porrete de quatro gumes – com empunhadura [formato tipo de uma espada]; tecelagem de redes e mantas para dormir, além vestimentas para tempos frios e agasalhos para crianças e idosos; artigos de bambu ou vime, como covos [para pescaria], arapucas [para aprisionar aves e pequenos animais] e cestos para coletas de produtos; artigos cerâmicos a exemplos de potes e vasilhames de barro [argila] para guardas de produtos e uso culinário, urnas mortuárias e estatuetas.
Índia Pareci ... tecendo lã - foto representativa,. Acervo:
Escola Leônidas do Amaral Vieira - SCR. Pardo-SP  
Aparentemente seus objetos não tinham inspirações artísticas, mas certas diferenciações eram notórias, como as pontas de flechas, umas de madeira, outras adaptadas com pedras [rochas] trabalhadas, e aquelas de ossos animais como a tíbia de macacos, além das diferenças quanto ao tamanho dos arcos e tipos de amarras.
Cabia aos homens o fabrico de armas, a derrubada e queima da mata para roçados, a caça e a guerra, enquanto às mulheres pertenciam as manufaturas, os afazeres domésticos e atividades agrícolas, como noções primárias de ocupações privadas sem obrigações distributivas, porém repartidas suas conquistas coletivas aos partícipes das lutas, achados e coletas. Em alguns casos e épocas de guerras prolongadas, ou fugas necessárias, o trabalho era coletivo com distribuição igualitária às famílias.
O processo agrícola igualmente primário e limitado às culturas da mandioca, do milho, da abóbora, da melancia, do feijão, do algodão e do fumo, com algumas variantes e acréscimos sazonais e de regiões. Dos derivados da mandioca e do milho faziam farinha tostada, pão, bolos e bebidas fermentadas; da mandioca também se usavam folhas tenras para iguarias, enquanto o milho verde e caroços de algodão eram utilizados para ensopados. Comiam abóboras e seus brotos, conheciam outras cucurbitáceas comestíveis, distinguiam vegetais tóxicos [curare, timbó], sabiam aqueles que davam tintas [jenipapo e urucu] e faziam chás e sucos de certas ervas, folhas, cascas, raízes e frutas silvestres.
Os índios gostavam de danças guerreiras e cerimoniosas, para as quais se enfeitavam com pinturas sobre o corpo para as festas, guerras e cerimoniais, com gostos para adornos como cocares, colares, braceletes, brincos e tatuagens, todos com bastante e fortes coloridos; seus enfeites eram de penas de pássaros, mantos tecidos de fibras vegetais, vestuários [tangas] e ligas [cordas e laços] coloridas e com motivos próprios. Sempre com muita bebida, suas festas e cerimônias eram acompanhadas de cantorias e uso de instrumentos musicais de sopro, repercussão e chocalhos, além da imitação de sons de animais, de bons ou maus agouros conforme ocasiões ou propósitos.
Além das festas próprias promoviam outras com participações de tribos amigas ou aliadas, com as quais mantinham práticas de reciprocidades inclusive comerciais entre tribos de uma mesma ou diferente nação, baseado nas trocas em espécies como entende Alfredo Gomes, página 40. As alianças, porém eram frágeis e muitas vezes circunstanciais, por casamentos ou unidos em combate contra algum inimigo comum.
Índios Umotima (barbado), alguns com vestimentas próprias,
e o cacique trajado à maneira dos branco. Acervo: Escola
Leônidas do Amaral Vieira - SCR. Pardo-SP
Os índios eram guerreiros por excelência, recriminados se não eram bons combatentes – inclusive discriminados para o casamento. Staden afirma que a guerra fazia parte do cotidiano de um índio, treinado desde criança a combater os inimigos, sendo-lhe honra quando adulto capturar ou matar aqueles que aprenderam desde sempre odiar (Staden, 1974: 50).
Enquanto os homens guerreavam as mulheres entoavam cânticos de guerra, como pedidos aos deuses para bom êxito da empreitada e proteções a seus guerreiros. Era a regra. Carina Marques, no entanto, aponta certos casos de mulheres, que se vestiam e se comportavam como homens, em frentes de batalhas.
A presença do europeu trouxe desequilíbrios às guerras tribais, fazendo-se mais fortes as que tinham alianças com os brancos, pelo acesso às armas de fogo e cavalos; aliadas aos colonizadores as tribos se impunham às outras tornando a sociedade tribal praticamente à maneira dos brancos.
Acerca dos prisioneiros de guerra a antropofagia indígena na região, Jorge Junior (13/08/1967), não hesita apontar, de acordo com relatos jesuíticos que melhor conheceram usos e costumes dos índios habitantes do Vale Paranapanema, e com eles conviveram décadas.
O governador militar paraguaio Álvaro Nuñez Cabeza de Vaca descreve, em seus apontamentos, 'Naufrágios e Comentários', (Cabeza de Vaca apud Colaço, 1998: 121), rituais antropofágicos nas mesmas áreas mencionadas pelos jesuítas, das quais destacado exemplo de cada narrativa, como atos de execuções indígenas, com outras tantas maneiras para a prática regular e institucionalizada de execução e consumo de carne humana.
Não era costume sair à caça de um humano, abatê-lo e prepara-lo para alimentação trivial. A situação advinha de guerras tribais e capturas de adversários, então estes preservados até algum momento especial em que seriam sacrificados e suas partes compartilhadas para a comunhão da tribo.
Em quaisquer dos ritos antropofágicos a acontecer, o aprisionado era bem alimentado, tinha mulheres para seus cuidados e sexo, adquiria a participação em solenidades da tribo vencedora, podendo até se sentir um deles senão pelo fato ser um homem marcado para morte sacrifical, sem saber quando, e isto podia demorar anos.
A despeito de não vigiado o prisioneiro recusava-se fugir porque isto lhe era desonroso, nem sua tribo o aceitaria pelo ato considerado covarde, exceto se resgatado em combate. Índio preso era considerado, pela própria tribo, como índio morto, posto abandonado pelos próprios espíritos.
À véspera da execução o prisioneiro recebia os últimos cuidados, uma boa alimentação, bom banho e vestimentas próprias para os rituais a seguir com cânticos, bebedeiras e danças, sendo a solenidade executória variável de tribo para tribo ainda que de uma mesma nação ou grupo, a mais comum o condenado ser amarrado a um poste central para ouvir as cantilenas de glorificações da tribo vencedora, com direito a suas últimas palavras, ocasião para cantar que gentes de sua tribo não temiam a morte, antes de ser abatido a golpes de borduna, ter o corpo retalhado e cozidas as partes depois distribuídas a todos os membros da comunidade.
Outra forma de execução era conduzir o prisioneiro ao pátio das solenidades, onde era obrigado a dançar, cantar e beber com seus vencedores até o momento aprazado, quando entravam em cena crianças, com pequenas machadinhas em punhos, juntamente com um adulto munido da temível macaná, a bater em pontos sensíveis do condenado até prostrá-lo desacordado, quando então as crianças batiam-lhe com as machadas sobre a cabeça, golpe após golpe, até lhe esvair a vida, sendo depois entregues às mulheres que dele cuidaram, para que suas partes fossem divididas e cozidas antes da distribuição alimentar.
Acaso alguma mulher da tribo viesse engravidar do prisioneiro, o nascituro seria devorado ao nascer ou, bem cuidado até a idade que desejassem comê-lo - mesmo que adulto, mas nunca deixariam de fazer isso porque o pai tinha parte na geração da criança, portanto a criança era gente inimiga.
Índio Nhambiquara. Acervo Escola Leônidas do
Amaral Vieira - SCR. Pardo-SP

Se uma mulher caísse prisioneira, de imediato se agregava à tribo vencedora sem risco de execução, mas não lhe permitiam engravidar – com práticas abortivas ou comiam a criança, caso viesse nascer, porque a mãe era de tribo inimiga. Se a mulher prisioneira retornasse à tribo de origem era aceita, mas seu filho, caso retornasse grávida, era abortado ou devorado, se nascido, por causa do pai.
O canibalismo, sob ponto de vista indígena, era comunhão espiritual de renovação dos laços intergrupais quando convidados os aliados para a cerimônia, e intragrupais como restabelecimento da moral coletiva, porque consideravam culpa tribal a morte de companheiro em combate, por isso o ódio e vingança declarada à tribo inimiga, no ato representado pelo membro executado.
Os padres combateram à exaustão tais crenças e práticas consideradas afrontas ao cristianismo, parecendo, no entanto, não haver registros de canibalismo, como regra, no século XIX, embora, excepcionalmente, possam ter ocorrido casos em cerimoniais religiosos Caingangues, observáveis nalguns despojos calcinados que sugerem mutilações próprias para ritual antropofágico.
Faz parte do anedotário histórico que a última vontade de um velho e moribundo índio cristianizado era, em vez da hóstia transubstanciada, comer um bom e verdadeiro pedaço de carne humana (Jorge Junior, Um pouco de história... 13/08/1967).
Entre os indígenas não havia autoridade sucessória verticalizada, as famílias eram livres embora unidas pelas tradições, usos e costumes tribais. Para chefe tribal escolhiam, geralmente, o mais forte, um líder com poderes absolutos nas guerras, cerimoniais ou acertos de desavenças tribais, mas seu poder podia ser contestado em outras situações, e era obrigado ao trabalho para o sustento familiar como qualquer outro membro tribal. O Caingangue que tinha sistema hereditário para os seus líderes, raramente recaindo escolha igual às tribos parentas [Jês] ou da nação Tupi-Guarani.
O poder do líder, portanto, era limitado mais às obrigações que privilégios, cujo respeito tribal baseava-se na persuasão e não na coerção de seus membros (Ramos e Amato, 1998: 67), partidários e não subordinados, com decisões pautadas na cultura e não em sua vontade, mantendo-se no cargo através de conselhos, agrados e subornos.
Juntamente com a autoridade político-administrativa [poder civil] o líder [cacique] acumulava também a autoridade judiciária, invocada diante de risco comunitário ou dissidência tribal, ouvido o Conselho de Guerreiros e Anciãos; solucionada a crise findava o poder absoluto do chefe.
Em caso de vacância qualquer membro podia habilitar-se para chefe tribal, obedecendo a regras de coragem e força, variáveis de tribo para tribo, quase sempre recaindo escolha sobre o campeão dos jogos destinados àqueles fins.
Com autoridade maior que o líder tribal, em tempo de paz, estava o pajé, como conselheiro, curandeiro e intermediário entre as divindades e os terrenos. O pajé era sustentado pela tribo e seus substitutos geralmente preparados e indicados pelos anteriores e os pajés "guardam segredos invioláveis, só transmitidos aos substitutos na hora da morte" (Morais, 1930: 290).
Os pajés podiam, à distância, lançar maus agouros ou pragas contra inimigos, abençoar ou bendizer os aliados e tribos irmãs, mas em casos de sucessivas derrotas diante de inimigos, perdiam a credibilidade e eram afastados, temporária ou definitivamente, das funções.
Derrotas seguidas obrigavam fugas das tribos, por solução, para áreas desocupadas, embora quase sempre retornassem para guerrear contra o inimigo vencedor, podendo aí o pajé ser, ou não, reabilitado.
Geralmente os pajés cujas predições não se realizavam a contento, atribuíam os fracassos como vontades ou vinganças de entes espirituais, senão obras de feitiçaria por algum membro da tribo - geralmente um inimigo declarado, cuja ação considerada culpada pelo Conselho dos Anciãos, transformava-se em delito sociocultural [afronta] a toda a tribo, crime punido com a morte.
Também os pajés podiam aliviar doenças abreviando a vida de doentes ou quando não tivessem tempo de cuidar deles.
Índio Oti-Xavante - Foto de domínio publico
As tribos eram seminômades, mudando-se com frequência, por isso seus ranchos eram toscos, cobertos de sapé, folha de coqueiros ou ramos, geralmente queimados quando abandonados. As moradas dispunham-se em torno de um pátio central, quase sempre cercadas e guardadas por sentinelas, sendo do cacique a principal delas. O escasseamento de produtos naturais, a caça e a pesca provocavam mudanças das tribos para outros locais, cujo deslocamento, em tempo de paz se dava a cada três ou mais anos, se possível dentro de uma mesma região.
Contam que tribos caingangues faziam casas em buracos ou subterrâneas, com forragens, peles ou mantas, para os tempos de inverno ou quedas bruscas de temperatura; práticas adotadas por algumas tribos certamente conhecedoras das vantagens protetivas.
Uma tribo contava de trinta a cem guerreiros, com variáveis números de tribos irmãs quase sempre próximas e prontas para união, contra problemas comuns, casos em que se podiam contar até mil guerreiros.
Praticamente todos os índios eram bons canoeiros e bem conheciam os caminhos fluviais que lhes facilitavam fugas quando necessárias ou para aproximarem-se dos inimigos.
As tribos do Planalto Ocidental Paulista, em meados do século XIX, não eram as mesmas de cinquenta anos antes, que em nada representavam aquelas do meio do século XVIII, e assim o que delas se pretende, tanto dos Tupi-guarani quanto dos Jês, é de difícil análise porque nenhuma teve chances para algum período mais prolongado de fixação regional, desde a chegada do homem branco.
Capistrano de Abreu mostra os Tupiniquins às margens do Tietê, e os Carijós nas vertentes do Paranapanema como tribos Guaranis do Planalto Ocidental Paulista (Capistrano de Abreu, MEC: 7), índios já bastante adaptados e submissos aos brancos e a eles serviçais como mão de obra escrava, ou em troca de pequenos favores ou protecionismos contra tribos rivais. Os que não se subjugavam viviam geralmente fugidios ou postos em reduções ou aldeamentos.
A contribuição cultural regional Tupi-guarani influenciou a culinária básica, as personagens de folclore, as danças adaptadas e uso de termos e denominações de locais por causa do idioma nheengatu, que era mais ou menos corrente no Brasil, entre os brancos, até o século XIX.
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