domingo, 20 de dezembro de 2009

12. Do despovoamento e a repovoação pretendida

1. Despovoamento da Capitania de São Paulo
Descobertas de riquezas em Minas, Mato Grosso e Goiás  empobreceram e 
despovoaram São Paulo - século XVIII
Os bandeirantes desbravaram os sertões além do Tordesilhas, às procuras do ouro e dos índios para escravização. Índios foram trazidos em grandes quantidades para abastecer o mercado interno e outras regiões que necessitavam de mão-de-obra escrava, Bahia, por exemplo; enquanto o ouro nunca foi fácil encontrar em seu próprio território, senão nas minas de Apiaí, Paranapanema e Caatiba, e em regiões do Paraná [português] – então pequena parte do território atual, administrado pela Capitania de São Vicente.
Os intrépidos paulistas nunca respeitaram a linha divisória Portugal e Espanha, mas o ouro não era tão fácil encontrar em seus domínios, senão em Paranaguá e Guaraqueçaba, sob protestos dos espanhóis que insistiam o sul de Cananéia por marco de separação entre os dois reinos.
Com a dominação filipina, entre os anos 1580 e 1640, os bandeirantes promoveram expansão territorial bastante adiante de Tordesilhas, afinal Portugal e Espanha constituíam um só reino. A restauração da coroa portuguesa, em 1640, não significou retorno aos limites impostos pelo célebre tratado, afinal os portugueses e colonos brasileiros não encontraram resistências em permanecer ou entrar em partes de terras espanholas, pelas dificuldades da Espanha guardar território em suas posses nas Américas.
Em 1680 os paulistas descobrem ouro em Minas Gerais, e para lá acorrem reinóis, os brasílicos e mamelucos de São Paulo, num intenso fenômeno migratório, com graves consequências sociais e econômicas, agravadas por interesses desencontrados que visavam controles das minas, com inevitáveis confrontos, de um lado os paulistas – razão justa, afinal foram eles os descobridores das minas e do ouro, de outra os "reinóis, os baianos, os fluminenses e pernambucanos, todos os forasteiros, [que] consideravam as minas como propriedade do Estado [mais propriamente da Colônia], e, assim, eles como membros desse Estado [Colônia], com pleno direito poderiam aproveitá-las" (Tapajós, 201).
A Coroa não pensava assim, para nenhum dos lados, a considerar que o ouro era todo seu, por isso a se fixar rápida e definitivamente nos locais de mineração, através de seus fiscais, para que não se desviassem as riquezas extraídas, daí a exclusividade real nas casas de fundições, para controle da produção e cobrança de impostos devidos pelos mineradores e proprietários de minas ao Erário Real. A Coroa impusera, ainda, cobrança de taxas sobre mercadorias que entravam nas regiões de garimpos, além dos pedágios sobre os direitos de travessias dos grandes rios.
Os bandeirantes reagiram. Eles haviam ousado os sertões e desafiado os espanhóis ao romper a linha do Tordesilhas; enfrentaram os perigos do sertão e encontraram o ouro. "Deveriam ser por isso mesmo os primeiros, ou os únicos, a aproveitarem-se dos descobertos" (Tapajós, 1963: 200).
A Coroa, além de contar com os patrícios, rapidamente requisitou mercenários para abaterem paulistas a traições, além de armar os reinóis com poderosa artilharia, para assim promover sangrento conflito contra os de São Paulo com suas armas obsoletas.
Ainda, outros interesses estiveram em jogo; a disputa pelo monopólio do comércio de gêneros alimentícios, por exemplo, a gerar desentendimentos com os habitantes das Minas que pretendiam garantias de abastecimento dos seus arraiais. A Coroa, que impusera a cobrança de taxas sobre toda mercadoria que entrasse nas Minas, enfrentava problemas também para reprimir alguns emboabas que contrabandeavam gêneros alimentícios.
—O sangrento conflito – A Guerra dos Emboabas (1708 a 1709), em que o medo, as traições e as vinganças pontuavam como poderosa artilharia, ao lado de pistolas, facas e setas, terminaram em 1709, com a expulsão dos paulistas da área, abrindo a possibilidade para a ação da Coroa portuguesa naquele território. Formava-se a região das Minas, com total autonomia da Capitania de São Paulo, ainda que, a esta, vinculada por força legal.
Desde o acontecimento da Guerra dos Emboabas, nem o ouro extraído passava mais por São Paulo para embarque pelo Porto de Santos e com isto a cessar o pagamento de taxas, pedágios e embarques, sempre uma receita aos cofres paulista. Agora o ouro seguia direto para o Rio de Janeiro, por caminho de Minas a Parati, onde embarcado para o exterior.
São Paulo beirava o caos, pois todas tais circunstâncias causaram-lhe deficiência agropecuária e incapacidade para produção de bens exportáveis, e até seus governantes passaram residir em zona de mineração, no caso, Mariana - MG.
Ainda em 1709: 
—"(...) chegou mesmo José de Góis Morais a propor a compra da Capitania de S. Paulo e São Vicente por 40.000 cruzados, no que não consentiu D. João V [Rei de Portugal], comprando a mesma por esse preço. São Paulo passou nessa época a ser Capitania independente e Piratininga substituiu S. Vicente como sede, sendo elevada à categoria de cidade" (Peralta, 1973: 4).
São Paulo e São Vicente, desde então, tornaram-se uma só Capitania e bastante pobre. 
D. João V resolveu incrementar: criou a Capitania de São Paulo e Minas de Ouro aos 9 de novembro de 1709, abrangendo o território de Goiás. Numa ousadia e reconhecimento aos bandeirantes e entradistas, o monarca português resolveu acrescer, em mesmo ato de 1709, os territórios de Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande do Sul, sob jurisdição administrativa de São Paulo, mesmo ciente que os paulistas estariam a ocupar, em verdade, território espanhol (Textos didáticos de domínio público interpostos livremente pelos autores).
Com tais medidas, São Paulo apresentou sinais de recuperação econômica devido aos novos mananciais auríferos descobertos primeiro em Mato Grosso, depois Goiás, para logo se voltar para as Minas Gerais dispostos à desforra, com propósitos de escorraçar os reinóis e demais forasteiros, para reaver suas minas metalíferas, adquirir jazidas em produção e descobrir outras, para assim incrementar maior produção.
Ainda que pouco tempo decorrido da Guerra dos Emboabas, menos de uma década, Minas Gerais apresentava problemas caóticos como faltas de escravos, de animais de carga, de utensílios, além das dificuldades de abastecimento, agravado com o contrabando dos emboabas que retiravam partes da margem do lucro português na produção do ouro. Outro fator ainda considerado, a saída de sua mão de obra para as novas minas descobertas em Mato Grosso e Goiás, pois os mineradores livres, em grande parte mamelucos de São Paulo, preferiam trabalhar com os paulistas que se sujeitarem aos emboabas.
A partir de 1718, com a presença paulista novamente em Minas Gerais, ganhou curso um forte sentimento separatista que seduzia os mineiros. Os paulistas pretendiam separar-se do restante da colônia, juntamente com Minas Gerais, alvo de seus investimentos em compras de zonas inteiras de mineração e recuperações de outras.
D. João V, alertado, aprovou em 1720 o desmembramento definitivo de Minas Gerais da Capitania de São Paulo; houve traições e tal separação retirou todo o dinheiro paulista aplicado em Minas, num processo de estatização da exploração do ouro ou sua entrega em mãos de consorciados, além do desarmamento da população de São Paulo, medidas suficientes para sufocar as pretensões de emancipação.
São Paulo estava, portanto, desinteressante quando da chegada jesuítica na região de Botucatu, por volta de 1720, com algumas ideias inovadoras, como as grandes fazendas com suas lavouras e invernadas para criação de gado, ao mesmo tempo em que a família Campos Bicudo e parte da parentela resolveram investir, também, em lavouras e criação de gado em terras do sul, além de facilitar aos jesuítas caminho seguro, por entre suas terras, para o contrabando de gado vacum e muar, da Argentina até Botucatu e daí aos centros consumidores.
A intenção posta em prática estava em criar e levar animais para zonas de mineração, livremente para Goiás e Mato Grosso, clandestinamente para Minas Gerais de onde traziam o ouro, contrabandeado, para fundição em seu território, com isto a concorrer diretamente com a Coroa.
Entre os Campos [Bicudo] tudo se arranjava fácil, havia interesses mútuos, as terras da família vinham desde o Sul – onde divisavam com os jesuítas da região, e subiam rumo a Sorocaba, pendiam pelos lados de Botucatu e Lençóis, avançavam Jaú, São Carlos e Franca, para enfim se chegar a Minas Gerais.
Minas Gerais, rica em ouro não tinha lavouras nem criações de gado, assim a depender de comércio externo para abastecimento de suas gentes. Em breve os padres lhes fariam chegar mercadorias para consumo, além dos muares para o trabalho de transportes.
A expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759/1760, empobreceu ainda mais a capitania
 paulista 
-imagem de domínio público-
Os contrabandos de muares de São Paulo para as zonas de mineração e o ouro de Minas Gerais para São Paulo, passavam sempre pela Fazenda Jesuítica de Botucatu, fenômeno perceptível pelos rápidos avanços e enriquecimentos da Ordem dos Padres e dos Campos Bicudo, em valores bastante elevados para apenas vendas legais de produtos agropecuários, cujas atividades exigiam tempo e muito trabalho para produção e retorno esperado.
Em 1721 os paulistas fundaram Cuiabá e, em 1723, Vila Boa de Goiás. As novas minas no centro-oeste e tais pontos de referências compensaram a perda definitiva de Minas Gerais, mas com esta a continuar o lucrativo contrabando de mercadorias, animais e desvio de ouro para fundição.
A Coroa reagiu, a Capitania paulista perdeu então, sucessivamente, São Pedro do Rio Grande do Sul [1736], Santa Catarina em 1738, Mato Grosso e Goiás em 1744 [pela rainha Maria Ana Josefa – mulher de D. João V]. Paraná obteve sua emancipação somente em 1853.
O rei D. João V esteve enfermo, por longo período, sendo muitos dos atos reais de Portugal assinados por sua mulher Dona Maria Ana Josefa, também conhecida por Maria Ana da Áustria - pela sua origem. D. João V faleceu em 1750, sucedido pelo filho D. José I e assim iniciar a era Marques de Pombal.
Todos desejavam emancipação para melhor usufruir suas próprias riquezas, pouco a importar o sacrifício paulista para suas origens e desenvolvimentos.
Pelo Alvará de 9 de maio de 1748, também pela rainha Maria Ana Josefa, a Capitania de São Paulo foi rebaixada à condição de Comarca sob dependência e ordens do Rio de Janeiro, com governante preposto e sediado em Santos. 
A história efetivamente registra que São Paulo foi perdendo territórios e dinamismo econômico, na primeira metade do século XVIII, até a ocorrência de anexação. Isto, no entanto, é discutível, talvez a anexação e o desprestígio paulista tenham ocorrido mais por situação política que econômica vista São Paulo apresentar-se bastante fortalecida embora despovoada, vilas pequenas e força ativa de trabalho mais presente junto às zonas de mineração, mas nela estavam as famílias ricas e financiadoras de exitosas expedições para o encontro de riquezas naturais, tornando-se assim mais poderosas e influentes a ponto de pretensões separatistas.
Aliás, foi essa interiorização paulista, à procura do ouro, a responsável em fazer recuar o Tratado Tordesilhas, que nem Espanha nem seus colonos tiveram condições de fazê-lo voltar aos limites originais estabelecidos. Em 1720, muitas regiões do Brasil estavam além do Tordesilhas tal qual no Mapa das Capitanias Hereditárias, de Luiz Teixeira, 1574, onde o "erro proposital, para o Oeste da linha de Tordesilhas" (Apud BrazilGenWeb Project 2001: 2). 
O aspecto empreendedor e as sucessivas conquistas paulistas, além Tordesilhas, eram mesmo motivos de despovoamento, ou de não povoação, dentro daquilo que hoje concebemos por Estado de São Paulo. Os mamelucos avançavam em vagas sucessivas, acompanhando as expedições e ficando naquelas outras paragens, deixando despovoado o seu próprio chão, porém tinham objetivos de anexações territoriais e povoamentos gradativos.
Ora, no ano de 1721, "nem Piracicaba, nem Itapetininga, nem Porto Feliz e nem Tietê existiam" (Revista da História de Botucatu, nº 4), quando já instalada a Fazenda Jesuítica Botucatu com seus bairros rurais, sendo suas gentes contadas entre os habitantes dentro dos limites da então Vila de Sorocaba:
"em direção ao Oeste, nunca chegaram a serem perfeitamente demarcados. Mas, se trabalharmos com os dados relativos aos sucessivos desmembramentos do território paulista, que posteriormente originavam novas vilas e municípios, se verifica que o território dela cobria grande parte do atual Estado de São Paulo" (Layff Sampaio, 2010): 2010: 2). 
A expropriação da Fazenda Jesuítica Botucatu, em 1759, colocou em estagnação econômica a região, com reflexos negativos em toda Capitania de São Paulo, além de fazer cessar o comércio de gado vacum, suínos, muares e equinos, produtos agrícolas, conservas, artesanatos e outros bens manufaturados.

12.2. A repovoação pretendida 
Repovoação pretendida para o sertão  Carta do Morgado de
 Mateus*
A expulsão dos jesuítas do Brasil (03/09/1759), confisco dos bens (09/01/1760), e a hasta pública da fazenda Santo Ignacio - Botucatu (23/12/1776), não excluiu a tentativa das autoridades em recuperar a região e livra-la do tormento indígena, segundo Donato (1985: 45), com a contratação do coronel Francisco Manuel Fiúza, a partir de 1766, que "comanda destacamento que bate morros e matos a mandado dos fazendeiros ou por comissão oficial da limpeza dos caminhos". Pelos serviços prestados o coronel recebeu terras "em cima da serra do caminho que se abrio para Iguatemy daquém do rio Pardo."  

Por aquela época era grande a movimentação oficial no interior paulista. Basílio de Magalhães informa da expedição colonizadora de Teotônio José Juzarte, pelos caminhos do rio Tiete e depois Paraná, numa incursão bastante detalhada pela região da Alta Sorocabana, em 1769, através do rio Santo Anastácio, embora referida expedição tivesse por objetivo o interior do Mato Grosso, pelo rio Iguatemi.

Juzarte estava à frente de uma grande expedição, com cerca de oitocentos homens, mulheres e crianças, pelos rios Tietê, Paraná e afluentes até o destino final (Juzarte, 1769, apud orgs. Jonas Soares de Souza e Mioko Makino, 2000: 14).

Também no ano de 1769, consta a expedição militar de reconhecimento sob comando de Francisco Nunes Pereira, parte a explorar o rio Paraná até Sete Quedas, enquanto outra detalhava os rios afluentes, com destaques para o Iguatemi e Santo Anastácio. Francisco Nunes Pereira morreu na empreitada ficando o comando da expedição, sob responsabilidade de Ignácio da Motta (Carneiro, 2003: artigo referência). 

Documentos oficiais dizem das expedições militares para reconhecimento dos sistemas fluviais e da constituição geográfica do Brasil, sobretudo das suas fronteiras mais avançadas, imperiosas entre Portugal e Espanha, após a anulação do Tratado de Madrid em 1750.

Entre 1769/1770, Francisco Paes comandou equipe oficial que explorou todo o curso do rio Santo Anastácio e região, em busca do melhor caminho de ligação entre São Paulo e Mato Grosso, a partir de Sorocaba (Ávila Junior, 1995). Assim, desde 1770 o rio Santo Anastácio, e com ele partes do extremo oeste paulista, passam figurar nos mapas oficiais do território de São Paulo.

Não há dúvidas que existiram arranchamentos, na bacia do rio Pardo, em algum tempo nos últimos trinta anos do século XVIII, conforme Carta do Governo de São Paulo, datada de 12 de fevereiro de 1771, que se obriga determinar ajuda compulsória dos moradores da região, portanto reconhecidos, em tudo que deles necessitasse o capitão-mor de Sorocaba, designado Construtor Chefe da vereda de Botucatu à barra do Rio Pardo, junto ao Paranapanema, num trajeto que "Dos arredores da atual cidade de Pardinho (...) foi sair nas vizinhanças da hoje Santa Cruz do Rio Pardo e Campos Novos" (Donato, 1985: 36).

O governador da Capitania de São Paulo, entre 1765 a 1775, foi o português capitão-general Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão, o 4º Morgado de Mateus, e era o capitão-mor de Sorocaba, José de Almeida Leite. O Morgado era amigo do Marquês do Pombal - primeiro ministro português, e por este incumbido restaurar a Capitania de São Paulo, os atuais estados de São Paulo e Paraná, fundar cidades para povoar os sertões, guarnecer os rios Paranapanema e Paraná, expandir fronteiras a oeste e levantar fortalezas para proteger o sul, contra os espanhóis ainda ressentidos das perdas territoriais com o fim do Tordesilhas. Morgado foi nomeado pelo rei português D. José I, por ato de 6 de janeiro de 1765.

Daquele caminho Donato esclarece, numa referência ao caminho traçado:

—"Que ao menos o trecho até a barra do Pardo no Paranapanema foi aberto nos dá prova documento de concessão de Sesmaria (...) que beneficiou a Antonio de Almeida Taques lê-se que o campo a que se refere está da outra parte da serra [de Botucatu] que vai para o Iguatemi" (Donato, 1985: 36).

Segundo o desejo do Morgado:

—"(...) a vereda que se deve seguir é entrar pela Serra de Botucatu onde tenha maior comodidade e daí botar o agulhão em ponto fixo na barra do rio Pardo e aí cortando o sertão, bem pelo meio da campanha entre os dois rios Paranapanema e Tietê, fugindo sempre de avizinhar dos matos e pantanais que ambos tem por toda sua margem" (Donato, 1985: 36).

José de Almeida Leite valera-se de antigas estradas, religiosas, bandeiristas, a Peabiru e algumas das principais trilhas indígenas, articulando-as entre si e com as bacias hidrográficas dos rios Tietê, Paranapanema, Paraná, Iguatemi e Prata, além de fundações de freguesias, elevações a vilas de povoações progressistas e cidades, com objetivos de povoar a terra e defendê-la das pretensões espanholas, sem dúvidas princípios estratégico-militaristas dentro dos objetivos pretendidos pelo governo do Marquês de Pombal.

Às beiras do caminho para o Iguatemi, intentado pelo Governo do Morgado de Mateus, foram distribuídas diversas sesmarias, inclusive no Vale do Pardo, às duas margens, nenhuma delas, no entanto, ultrapassando o Rio Turvo. Requisições de governo e outros atestados apontam arranchados ou povoadores ao longo da senda militar que, adiante da Serra Botucatu, atingiu território que viria ser Santa Cruz do Rio Pardo para chegar às atuais regiões de Campos Novos Paulista e Salto Grande.

Diz ainda Donato à mesma página 36, que "são fazendeiros depois de 1730, no planalto oriental e ao sul: (...) João Álvares de Araújo. Avançou para o sul, costeando a serra e posicionando-se além do rio Pardo, às margens do abandonado, mas não de todo esquecido caminho do Iguatemi".

Mas a carta geográfica da América Meridional, de 1748, por Jean-Baptiste Bourguignon Anville detalha a Serra de Botucatu, não assinala a presença do homem branco na região (Domingues, 2008: 60), a saber, no entanto, que nenhuma povoação menor que trinta famílias brancas tenha sido citada em qualquer outro mapa da época, sendo os moradores contados como ruralistas de uma localidade já na condição de vila. "A lei determinava um mínimo de trinta famílias. Não existiam tantas" (Donato, 1985: 49).

A região botucatuense estava nos planos do Morgado de Mateus para levantamento de pelo menos cinco povoações, estrategicamente postas pelos caminhos que fizera abrir para adiante da Serra. Simão Barboza Franco, sesmeiro e fazendeiro, foi o encarregado de tal empreendimento, sendo discutível que tenha promovido algum feito em cima da Serra Botucatu. 

No ano de 1776 Martim Lopes Lobo de Saldanha, como capitão-general, esteve no governo paulista (1775/1782), em lugar do Morgado de Mateus (1765/1775). "O novo titular timbrou em desmanchar, apagar, desmoralizar quanto planejara ou realizara o antecessor." (Donato, 1985: 50).

Os arranchamentos regionais não resistiram a desativação do caminho do Iguatemi pelo novo Governo, e nem as sesmarias e fazendas foram proficientes para sustentar qualquer povoação adiante da Serra, e tudo caiu em completo abandono e, aos poucos, se transformou em território indígena.

A Capitania de São Paulo, na troca de governo apresentava:

—"(...) sessenta mil habitantes, espalhados em uma cidade, dezoito vilas, nove aldeias e 38 freguesias. A cidade de São Paulo contava com cerca de quatro mil almas, a vila de Sorocaba era a mais importante, seguida de Santos, Guaratinguetá, Paranaguá, Itu, Taubaté, Parnaíba, Jacareí e Atibaia. Na Relação de Vilas e Freguesias da Capitania de São Paulo, feita em 1765 pelo Morgado de Mateus, aparecem 36 povoações, a capital e nove aldeias de índios. No primeiro grupo, estão as vilas de Mogi das Cruzes, Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, e as freguesias de Facão e Piedade. No segundo grupo, as vilas de Atibaia, Jundiaí, Mogi-Mirim, Mogi-Guaçu, Parnaíba e as freguesias de Juqueri e Jaguari. No terceiro grupo, as vilas de Itu, Sorocaba, Faxina, Apiaí, Itapetininga, Curitiba, Lajes e a freguesia de Paranapanema. Em anotação ao terceiro grupo, o Morgado assinalava também as freguesias de Guarulhos, Santo Amaro, Cotia, Araritaguaba, Nazaré e as vilas "porto de mar" de Santos, São Sebastião, São Vicente, Ubatuba, Iguape, Cananéia, Itanhaém, e, na serra, São Luís de Paraitinga." (MOTA Carlos Guilherme, 2003: 6).


12.3. Simão Barboza Franco - a difícil unanimidade na fundação de Botucatu

A missão do Fiuza no alto da Serra Botucatu precisa ser reavaliada, pois, sete anos após a desativação da fazenda dos padres no alto da serra, não se podia esperar tão numerosa presença de tribos indígenas hostis à civilização. Melhor compreendido, o objetivo maior do coronel seria redimensionar as terras outrora dos padres jesuítas para que estas fossem levadas a hasta pública, e favorecer ao governo abertura de um caminho para o Iguatemi [em atual estado de Mato Grosso do Sul], além de estabelecer sesmarias e [re]povoar o sertão, sendo intenção D. Luis Antonio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus,  a fundação de um povoado no local.

Dá prova dessa intenção do Morgado a carta de sua lavra, sob número 36, de 24 de dezembro de 1766, ao Conde de Oeiras [Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal], sobre povoações a serem levantadas na então Capitania de São Paulo, em número de seis, num semicírculo alongado compreendendo as atuais paulistas de Piracicaba, Botucatu, Itapeva, uma não realizada no Rio Sabaúna entre Iguape e Cananéia; mais a paranaense de Guaratuba e o então Termo da Vila de Lages - Santa Catarina, criada em 1766, que pertenciam a São Paulo. Para Botucatu, oficialmente, destaca-se:

—"(...) no Wotucatú sobre o rio Paranapanema para tentar se se pode restaurar as muitas Fazendas que se despovoarão naquelle Rio depois que abandonamos a navegação delle para o Cuiabá, pertendo juntamente as vargens da Vaccaria de Guaycurú de que hoje se querem fazer senhores os Castelhanos, mandando a ellas cada dous annos huma companhia para ver se os Paulistas as povoão, e hé Director dela Simão Barboza Franco." (IHGP Documentos Interessantes - Cartas e Registros dos Séculos XVIII e XIX referentes a Piracicaba e região, 2015: 52, apud Dorizotto - Sermo).

Bastante difícil unanimidade em torno de Barboza Franco e sua missão em fundar um povoado na Serra Botucatu. Para alguns estudiosos, segundo Almeida Pinto (1994: 23), houve sim um povoado no alto da serra fundado no século XVIII, por Simão Barboza Franco, sob a ordem do governador da Província de São Paulo, o português capitão-general Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão, Morgado de Mateus, durante os anos de 1765/1775. Para outros, Donato entre eles (1985: 49), apenas a ordem para a criação, que não foi efetivada, e nada mais em qualquer outro documento durante aquele governo.

Aparentemente o Simão teria sido aproveitador fracassado da missão que lhe fora confiada para Botucatu, o levantamento de um povoado no lugar, a sabê-lo, no entanto, partícipe da fundação de Piracicaba para fortificação militar e dar segurança em trechos do Tietê e do Rio Piracicaba, além de Itapeva e Itapetininga, elevadas para guarnecerem os caminhos vindos do sul. O encargo de Simão para Botucatu o foi em troca de sesmarias; sem condições de atender até as próprias possessões, Simão perdeu todas elas, tornadas devolutas em 1787. 

 Os historiadores regionais atribuem o fracasso de Simão Barboza Franco, na fundação de Botucatu, ao Governador da Capitania de São Paulo, Martim Lopes, que lhe negou apoio necessário para cumprimento da incumbência que lhe fora dada pelo Morgado. 

 Para os autores, Simão Barboza Franco não fracassou na fundação ou oficialização do lugar, em 1776, a levar em conta a existência de um povoado no cimo da serra, identificado no censo itapetiningano de 1779 como 'Bairro Botucatu', com sete moradias ocupadas por quarenta e seis indivíduos identificados, homens 'chefes de famílias', com suas mulheres, filhos, agregados e escravos (AESP, Documentos para Itapetininga, 1779: Maço 63).

 

12.4. Das cheganças e ocupações indígenas 

 A desatenção de Martim Lopes para Botucatu e adiante da serra, fizeram fracassar as sesmarias e as fazendas, abandonadas pelos empregados, agregados e arranchados, isolados e à mercê da crescente e ameaçadora presença indígena.

 Por volta de 1780 a 1808, diversas tribos, Guarani [Caiuá] e Jê [Oti-Xavante], vindas não se sabe acertadamente de onde, se estabeleceram no Planalto Ocidental Paulista, especificadamente entre o Tietê e Paranapanema, desde o Rio Paraná gradativamente ocupando regiões em direção a Serra Botucatu. Soma-se àqueles grupos o Jê-Caingangue junto às matas marginais dos rios, Batalha, Peixe, Aguapeí, Pardo, Paranapanema, partes do Tietê e Paraná.

Ainda discutível quando aconteceu a primeira presença caingangue na região e suas razões migratórias, Tidei Lima assinala que "desde os princípios do século XIX, sua presença é oficial e ostensivamente acusada no ocidente da Capitania, entre os rios Tietê, Paraná e Paranapanema" (1978: 37), sem qualquer registro anterior.

Há consenso que os bandos Caiuá e Guarani, propriamente ditos, tenham vindo do sul de Mato Grosso [atual do Sul], Paraná, leste do Paraguai e nordeste da Argentina, onde desapossados dos termos procuraram segurança em terras do Planalto Ocidental Paulista, pós 1835, depois de infausta querença pelos lados de Itapetininga e Itapeva, para uns a causa do lendário 'Êxodo Guarani em busca da Terra-Sem-Males', quando uma das hordas a caminho, consoante transcrição, em Curt Uncel (depois Nimuendajú) - o primeiro a registrar a lenda referente ao êxodo guaranítico de 1835:

"(...) sem canoas, pouco abaixo da foz do Ivahy, subindo então pela margem esquerda deste rio até a região de Villa Rica, onde cruzando o Ivahy, passou-se para o Tibagy, que atravessou na região de Morro Agudos. Rumando sempre em direção ao leste, atravessou com seu grupo o rio das Cinzas e o Itararé até se deparar finalmente com os povoados de Paranapitinga e Pescaria na cidade de Itapetinga, cujos primeiros colonos nada melhor souberam fazer que arrastar os recém-chegados a escravidão" (Potiguara, 2005: 3).

Hoje o êxodo não é visto apenas uma lenda. Os índios, acossados com a presença e violência branca, deixaram seus termos no Paraguai, Argentina, Paraná e Mato Grosso, entraram em território paulista para os lados de Itapetininga, Itararé, Itapeva, Porangaba, Tatuí e Guareí, até a chegada dos brancos, ávidos por boas para pastagens e para lavouras, obrigando as tribos buscar segurança para além da serra Botucatu.

Tal ocorrência surgiu em 1808, com a decretação da Carta Régia que permitia a guerra ao índio e sua escravização, pelos fazendeiros e os donos de engenhos em Itapetininga e Itapeva, "homens ricos que nas mesmas não residem" (Tidei Lima, 1978: 79, referindo-se a Auguste Saint- Hilaire), e assim arregimentaram bandeiras para apresamentos dos "índios bárbaros que infestam esse território" (Tidei Lima, 1978: 79, referindo-se a Antonio José da Franca e Horta) com propósitos de tomar suas terras e torná-los escravos ou afugentá-los.

Outra causa da maior presença indígena no Planalto decorreu pelo fracasso das fazendas concebidas no último quartel do século XVIII, ou pós-jesuítas, já desfeitos os planos de povoação intentados por Morgado de Mateus, pelo sucessor Martim Lopes, com isso a propiciar o retorno dos índios quase sem resistência alguma. 

Posto isto, somadas as diversas tribos recém instaladas na região a partir dos anos 1800, não é errado afirmar que havia bem mais índios em 1830 que em 1760, quando encerradas as atividades jesuíticas na região; também é correto que as tribos do século XIX eram mais ferozes que as suas precedentes catequizadas e semicivilizadas, desta forma vistas como hordas bárbaras a justificar reações brancas com eficazes armas de fogo contra obsoletas flechas e bordunas.

Alguns estudiosos apontam, ainda, presenças Jê-Kaiapó entre Salto de Avanhandava e Itapura, conforme menção de João Francisco Tidei Lima, "Dos Kaiapós-Meridionais - tribo do grupo Jê que, durante muito tempo, habitara o noroeste de São Paulo, compreendido entre o Rio Grande e o Paraná" (1978: 44, referência a Egon Schaden - Os Primitivos Habitantes do Território Paulista), tratando-se, a juízo dos autores, 'de população flutuante entre São Paulo, Mato Grosso [do Sul], sul de Goiás e Minas Gerais'.

Os índios, independentes de quais nações ou tribos, quase nunca atacavam pessoas em trânsito, somente as assentadas, por isso o êxito dos aventureiros pelos caminhos do sertão. Também, raríssimas vezes os índios investiam contra povoados brancos de vinte ou mais pessoas, optando por ataques isolados de surpresa a uma, duas ou três, no máximo seis pessoas, geralmente nos roçados.

Mas, eram exatamente os ataques indígenas isolados que mais causavam pânico entre os brancos, sobretudo pelos casos ditos de empalações, crucificações, esquartejamentos e amputações dos membros de pessoas ainda vivas.

Se os índios não atacavam povoados, certamente assustavam seus moradores durante a noite, rondando as imediações e fazendo notórias suas presenças ameaçadoras; provocando incêndios ou matança de animais, principalmente cães que facilmente lhes detectavam as presenças, alertando os donos. Consta que os índios imitavam cães em alertas ou brigas para despreocupar os donos, enquanto matavam os animais e os carregavam para longe, com alguns relatos que se alimentavam das carnes caninas.

Para Antonio Cândido:

—"(...) os estabelecimentos humanos [brancos] só aparecem (nessa região) em pleno século 19, sob a forma de fazendas e sítios polarizados por Tatuí, na maior parte, e por Botucatu os que se localizavam nas fraldas da serra. (...). Na direção de Botucatu, o acesso ao planalto se tornava bastante difícil pela serra, cujos morros fechavam a passagem para o sul, atingindo também àqueles que vinham de Tietê e os que desciam de Anhembi e, apenas para o lado de Porangaba e Tatuí as comunicações eram desimpedidas para o lado de Bofete; por aí, certamente, penetraram povoamento e cultura naquela direção" (Domingues, Porangaba e sua História: 189, menciona descrição de Antônio Cândido, autor de Parceiros do Rio Bonito).

 

12.5. A presença branca no 'Cimo da Serra'

São diversas as sesmarias pleiteadas para a região de Botucatu e adiante da serra, desde a celebração do Tratado de Madri (13/01/1750), diploma que consagrou o princípio do direito privado romano do 'Uti Possidetis - Ita Possideatis, ou, como possuís - assim possuas', advindo do reino unido Espanha/Portugal entre 1580/1640, quando o avanço português em terras espanholas, então sem limites de fronteiras, delineando os contornos aproximados do Brasil atual, à exceção do Acre, que garantia a Portugal terras além Tordesilhas.

No entanto, o abandono dado ao sertão pelo governo de Martim Lopes, fez fracassar tudo quanto almejado pelo antecessor, Morgado de Mateus, para a região botucatuense, desde então apenas referência como chão de passagem na rota do contrabando tropeiro, continuidade do último quarto do século XVIII nos primeiros anos de 1800, os condutores evitando a estrada oficial Viamão-Sorocaba:

—"(...) os tropeiros buscaram outro caminho para conduzir animais cruzando a província paulista. Fugiam ao fisco, ao alto custo dos pastos e das pousadas. Dos campos gerais do Paraná buscaram vadear o Paranapanema onde ainda não era caudal e orientaram-se para a serra de Botucatu. Subiram-na, deram refresco aos bichos logo nos aparados, descansaram e seguiram para Minas Gerais, via São Carlos e Franca", ou passando por Batatais e Casa Branca em direção à Poços de Caldas-MG. (Donato, 1985: 58).

Mas, se os índios não atacavam caravanas em trânsito e nem ousavam confrontos diretos com os tropeiros e seguranças, já a povoação ficava à mercê de ataques constantes e imprevistos. O governo sabia que o progresso 'pré-capitalista' estava no avanço sobre territórios indígenas, para adiante da Serra Botucatu, entre os rios Tietê e Paranapanema às barrancas do Rio Paraná. 

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*Dorizoto - Sermo, Carta do Morgado de Mateus ao Conde de Oeiras - Marques do Pombal, transcrição em 'Documentos Interessantes - cartas e registros dos séculos XVIII e XIX referentes a Piracicaba e região' (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, 1ª edição, 2015: 53 (http://www.ihgp.org.br/wp-content/uploads/2014/09/livro_Doc_Interessantes_bx.pdf).
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