domingo, 20 de dezembro de 2009

- Lençóis Paulista

1. 'Lençóes' - antigo lugar de travessia no Tietê
Lençóis Paulista uma das primeiras povoações do sertão, também famosa pela
fabricação de cachaça - Crédito: Foto de Éder Azevedo/JC Imagens*
A região dos 'Lençóes' figurava na rota das bandeiras, entradas, tropeiradas e monções, como local de negócios, pousos e travessias do Tietê, dentro das sesmarias da família Campos Bicudo, do outro lado do rio, em Potunduva, de conformidade com as cartas e roteiros ainda do século 17, sendo certo que desde a primeira vintena dos anos 1700, por lá, a rota de passagem do contrabando de muares e do ouro em pó, desde os tempos das Fazendas dos Padres Jesuítas em Botucatu e Guareí (1719-1759).
—A origem do nome para o rio Lençóis, apresenta diversas versões, uma, que na sua foz "formava ondas que, ao reflexo do sol, representavam tantos pequenos lençóis" (Chitto - Alexandre, 'Lençóis Paulista, Ontem e Hoje', edição de 1980: 24).
Pretende-se que, por volta de 1750, o célebre bandeirante Manuel Lopes tenha estabelecido comércio para atender os passantes que valiam-se do Tietê, formando lavouras e cercados de gados adiante de Bauru (Bauru, 1987: 7-8), inicialmente protegido por indígenas até algum desentendimento que o fez, às pressas, deixar o local. 
Por referências, na região lençoense, desde a margem esquerda do Tietê e todo o Lençóis, foram requeridas e concedidas sesmarias até o ano de 1821via Carta Régia, como exemplo conhecido, ao porto-felicense Antonio Antunes Cardia, "Uma legua de terras de testada com duas de sertão no logar denominado Ribeirão dos Lençóes que faz barra no rio Tietê, sendo a testada meia legua de cada lado do ribeirão" (Repertório das Sesmarias, L 40, fls 27-v), parte onde se assentaria o município de Lençóis. 
—As posses dos Cardia aumentaram com o casamento de Eliseu [Eliseo] Antunes Cardia, filho de Antonio Nunes Cardia, com dona Gertrudes Vaz, dos sesmeiros Campos Bicudo, pelas famílias Vaz de Almeida e Pinto Ferraz (Silva Leme, 1905: Volume VI - Título Bicudos: 296-339)e lá o Porto [do] Eliseo - ou Lençóis, defronte ao Potunduva do outro lado do Tietê, de onde a balsa que servia para travessia do rio aos demandadores dos sertões.
Outros fazendeiros são apontados sesmeiros na região, consorciados ou não, entre eles Alexandre de Góes Maciel que, inclusive, recebera de Francisco de Goes Maciel, parte de uma sesmaria em 1824, a Fazenda Bom Sucesso, no Paraíso - tributário do Lençóis, que repassou ao filho José Goes Maciel em 1835 (Toledo Piza - João Fernando Blasi de, 'Nos sertões de Botucatu: Arquitetura e território das sesmarias pioneiras às grandes instalações cafeeiras 1830/1930', 2015: 109).
Algumas sesmarias na região, que se encontravam esquecidas ou semiabandonadas, ressurgiram pelos seus donos, herdeiros ou sucessores, com o bandeirismo sertanejo de José Theodoro de Souza, exemplos as dos Goes Maciel e Cardia citadas em transações de terras no ano de 1857 (Pupo e Ciaccia, 2005: 238-239 e 240).

2. O desbravador: José Theodoro de Souza ou José Theodoro Pereira?
Vinte ou mais anos depois das últimas concessões de sesmarias, a região estava [quase] desabitada e livre de ocupações brancas, quando uma das colunas do bandeirismo de José Theodoro de Souza, tendo à frente o capitão José Theodoro Pereira, fez o desbravamento e erigiu sentinela no lugar, como ponto de apoio no avanço para o sertão.
José Theodoro Pereira era capitão da Guarda Nacional, e nas enfrentações aos índios bradava implacável, diziam, com a arma em punho, "Vocês vão conhecer a fúria do Capitão José Teodoro" (Blanco, Lençóis Notícias - História, CD: A/A). 

Ciente ou não Blanco, de qual furioso se tratava, o bandeirante José Theodoro de Souza jamais se identificou ou foi identificado como capitão. Autores e historiadores regionais confundem o capitão José Theodoro Pereira, desbravador da região, com o José Theodoro de Souza, chefe do 'exército de bugreiros, dividido em colunas, regionais', conquistador do sertão, incluso o lençoense.  

Destarte, é preciso rever a presença de José Theodoro de Souza em Lençóis Paulista, parecendo certa a confusão de nomes entre o pioneiro-mor, José Theodoro de Souza e o Capitão José Theodoro Pereira, o destaque do pioneirismo em Lençóis. 
Nota-se:
—"O bandeirante conhecido como Matador de Índios e que chegou a dizimar tribos indígenas inteiras a golpes de facão. Ele chegou à região de Lençóis em meados do século 19, perseguindo índios, limpando os caminhos para os primeiros povoadores, mas o fundador seria Francisco Alves Pereira, de acordo com historiadores regionais" (Lençóis Paulista, Histórico: 2010, CD: A/A). 
Também, Nelson Faillace, sobre a obra de Alexandre Chitto 'Lençóis Paulista e suas Origens': 
—"Realmente a figura de José Theodoro de Souza é de suma importância para o conhecimento de nossa história. Foi ele o grande desbravador, aquele que, vindo das Minas Gerais, adentrou por estes campos e matas, abria picadas, enfrentava os índios, fundava capelas e requeria posses das terras que desbravava (...). No nosso caso específico é notório que os primeiros cidadãos a aportarem estas paragens, foram Francisco Alves Pereira e seus companheiros" (Faillace - Nelson, 'Lençóis Paulista e suas Origens', das Crônicas, CD: A/A).
Alexandre Chitto em seu trabalho, 'Lençóis Paulista, Ontem e Hoje' (edição de 1980: 23-24), parece conhecer pouco de José Theodoro de Souza, já ao afirma-lo, erroneamente, 'carioca tido mineiro', inclusive citando os pais, firmado tão somente numa certidão de casamento, apresentada, sem os cuidados de eventual homônimo, e, da mesma maneira, confundindo ações daquele pioneiro no sertão e até sua morte, nas mãos de indígenas vingadores. 

Sobre José Theodoro de Souza em Lençóis Paulista, o historiador Chitto é mais cauteloso e aponta que "o matador de índios" lá esteve em 1º de março de 1872, talvez a única vez, requerendo da Câmara Municipal atestado de bons antecedentes, que lhe foi concedido, documento oficial, portanto real.

—No documento solicitado o pioneiro-mor diz de suas passagens pelo sertão, fundando povoados e abrindo estradas, por conta própria, citando São Pedro do Turvo e Campos Novos Paulista], porém nenhuma referência a Lençóis Paulista, disto a depreender que jamais exerceu no lugar qualquer ação bandeirante, nem antes e nem depois. 


3. Do fundador Francisco Alves Pereira**

Segundo Chitto e outros historiadores, o fundador de Lençóis foi Francisco Alves Pereira, chegador por acaso àquelas paragens, quando partícipe de uma expedição monçoeira de Itu a Goiás, via rio Tietê, da qual desligado por desentendimentos e se fixara na região, com alguns companheiros, no local que denominou 'Bairro dos Lençóes', por volta de 1825, trazendo depois a mulher e os filhos, e os mineiros interessados em boas terras, nisto antecedendo em pelo menos duas décadas a chegada do bando de José Theodoro de Souza na região.
—Documentalmente, até prova em contrário, não procede a informação.
Documento de 1851, sobre a elevação de  Capela e da criação
de Subdelegacia de Polícia para a antiga 'Lençóes'
DAESP/BT Caixa 40 - Pasta 1
Donato entende que Lençóis Paulista seria inicialmente local de "pouso na rota para o sertão" que atraiu gentes tão logo a Câmara de Botucatu oficializou a região e para lá incentivou moradores, "entre eles Francisco Alves Pereira que imprimiu tal impulso ao lugar, que logo passou a reivindicar serviços públicos" (1985: 72-73).
—Também improcede Donato, pois, assim, o feito só ocorrido a partir de 1861 - 12 de fevereiro, com a posse dos vereadores para a primeira legislatura botucatuense, o que não se sustenta, face o expediente oficial  de 1851, no qual a pretensão em elevar o 'Bairro dos Lençóes' à condição de Capela, com Igreja Matriz, como povoação oficialmente reconhecida pela Igreja, e criação de Subdelegacia de Polícia (AESP/BTCT, Caixa 40, Pasta 1, 22/07/1851: 1).
Versão outra, sem referências, informa Francisco Alves Pereira e acompanhantes por lá fixados em 1850/1851, região por ele já conhecida entre 1847/1850 quando dos levantamentos de acidentes geográficos - morros, depressões, rios e afluentes, e das localizações de aldeias indígenas com os números de famílias, quantidade de guerreiros e os usos e costumes tribais, para melhor eficiência do bandeirismo de 1850/1851. 
Mas, é do estudioso e jornalista lençoense, Benedito Antonio Carlos Blanco, as mais recentes e abalizadas pesquisas sobre Francisco Alves Pereira, com citações de documentos eclesiais, pelos quais sabe-se das origens do monçoeiro e bandeirante, natural de Sorocaba - SP, filho de José Pereira [Nunes] e Maria Alves, batizado aos 09 de setembro de 1798 (Sorocaba, Nossa Senhora das Pontes, Livro 1798/1803: 15), casado com Maria Antunes Maciel, em Tietê - SP, aos 13 de maio de 1819, filha de Francisco Antunes Maciel e Maria Rodrigues de Oliveira, nascida aos 10 e batizada aos 19 de junho de 1804, em Sorocaba, cujo matrimônio abaixo transcrito respeitada grafia da época:

Matrimônio de Francisco Alves Pereira  e Maria Antunes Maciel
- Tietê-SP  - Igreja da Santíssima Trindade [Trinidade]
—Francisco Alves com Mª Antunes: Aos treze dias do Mes de Mayo de mil oito centos e dezanove annos por provisão do Muito Reverendo Vigario da Vara Andre da Rosa e Abrew assistente na Villa de Portofeliz nesta Matriz, onde os contraidos são fregueses de tarde em minha presença e das Testemunhas Francisco Antunes, e Francisco Rodriguez Caraça, ambos casados, e fregueses desta Freguezia, depois de feitas as diligencias do estilo, e sem impedimento algum se casarão solemnemente em face da Igreja por palavras Francisco Alvez natural da Villa de Sorocaba filho legitimo de Jose Pereira Nunes e de Maria Alves, aquelle natural da Villa de Portofeliz, e esta de Mogy das Cruzes: Avos Paternos Domingos Pereira e Maria Nunes pardos naturais da Villa de Portofeliz; Avos Maternos Jose Domingues Bicudo, e Maria da Crus, que = diz serem brancos; aquelle natural da Villa de Sorocaba e esta de Mogy das Cruzes; com Maria Antunes natural da Villa de Sorocaba filha ligitima de Francisco Antunes Maciel e Maria Rodriguez de Oliveira, que parecião brancos; porém aquele natural da Villa de Castro, e esta da Villa de Sorocaba. Avós pela parte paterna Ignacio Antunes e Esmeraldo Martines, naturais da Villa de Castro; pela materna Ignacio de Oliveira, e Antonia da Fonseca naturais da Villa de Sorocaba. E imediatamente lhes conferi as Benções na forma do costume. Vigario Collado Manoel Paulino Aires – e assinaturas (Tietê, Paróquia da Santíssima Trindade [Trinidade], Matrimônio, Livro 1812/1820: 18).
Blanco sugere possível parentesco entre Maria Antunes Maciel, a mulher de Francisco Alves Pereira, e o sesmeiro Alexandre de Goes Antunes - dono da fazenda Bom Sucesso, no ribeirão Paraíso afluente do rio Lençóis, aonde teria se fixado por algum tempo Francisco Alves para a amanhação do lugar.
Contudo, de Francisco Alves Pereira em Lençóis Paulista pouco se sabia, senão pelas tradições que durante anos ele convivera em harmonia com os vizinhos, ao lado da mulher e filhos que 'não traziam o sobrenome Pereira e sim o materno, Maciel', ainda que estranho, considerando a época, nada a significar que Francisco Alves Pereira tenha sido prófugo da justiça, por deserção ou qualquer outro crime, posto jamais sua omissão de nome e sobrenome nos assentos eclesiais de família.

3.1. Apontamentos familiares e curiosidades sobre Francisco Alves Pereira 
Por SatoPrado ampliou-se o conhecimento sobre o casal Francisco Alves Pereira - às vezes mencionado Francisco Alves, e sua mulher Maria Antunes Maciel - também Maria Alves, ambos pardos, residiram em Tietê - SP, entre 1819 e 1827, onde se casaram e tiveram alguns dos filhos, depois, viveram curto período em Araraquara onde nascido outra criança, para em seguida o retorno a Tietê local de nascimento dos demais filhos. 
São conhecidos os filhos do casal:  
-Tereza, nascida em Tietê aos 14 e batizada aos 24 de setembro de 1820 (Batismos, 1812/1822: 45), casada com Cosme Damião, na mesma localidade, aos 05 de março de 1836 (Matrimônios, Livro 1820/1849: 38).
-Américo, nascido em Tietê a 17 e batizado aos 28 de julho de 1822 (Batismos, Livro 1812/1822: 60), citado na região sertaneja em 1859, como Américo Alves Maciel, eleitor (Pupo e Ciaccia, 2005: 318)
-Florentino, nascido em Tietê a 24 de junho e batizado aos 04 de julho de 1824 (Batismos, Livro 1822/1836: 18), falecido com idade de três anos, na mesma localidade [Tietê], aos 19 de julho de 1827 (Óbitos - Livro de 1812/1828: 57).
-Elias, nascido em Tietê a 11 de abril e batizado aos 14 de maio de 1826 (Batismos, Livro 1822/1836: 33), visto votante no sertão em 1859, como Elias Alves Maciel (Pupo e Ciaccia, 2005: 318), e, depois, profissional carpinteiro, na Freguesia de São Domingos (1861), e, ainda, no Bairro Fartura a partir de 1879 (Chitto, 2008, apud Toledo Piza, op.cit, 2015: 184).
-Antonio, nascido em Araraquara, batizado aos 24 de dezembro de 1829 (Batismos, Livro [Misto: Batismo, Matrimônio e Óbito], 1817/1839: 35), posseiro declarado em 1854 no lugar denominado Águas Claras, São Manuel (Registro Paroquial de Terras sob o nº 024, Botucatu, apud Toledo Piza, op.cit, 2015: 184), transacionando a propriedade com a fazenda Macuco. Faleceu em 1912, idade de 83 anos.
-José, nascido a 11 de abril de 1835, em Tietê, batizado aos 24 do mesmo mês (Livro 1822-1836: 177), com adoção do sobrenome Antunes Maciel. Marceneiro de profissão, tem referência como morador em Lençóis Paulista, em 1868, como testemunha no assassinato do filho de José Custódio Nogueira pelo escravo Simão (Correio Paulistano, 15 de janeiro de 1868: 3).
-Leandro, nascido aos 25 de março de 1839 e batizado aos 08 de abril do mesmo ano, em Tietê (Batismos, Livro 1836-1844: 33), marceneiro profissional, visto morador em Pederneiras-SP, entre os anos de 1909 a 1914 (Almanack Laemert -Ano 67º - Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ), Estados - São Paulo, 1910: 170/171 e edições seguintes até 1915). 
-Marcolina, nascida aos 28 de fevereiro e batizada em 06 de março de 1843, em Tietê (Livro 1836/1844: 71), sem nenhuma outra informação sobre ela.

Francisco Alves Pereira morreu 'de tísica', em Tietê aos 31 de agosto de 1854, 'idade cincoenta e oito annos mais ou menos' (Óbitos, 1851/1859: 34), estando já falecida sua mulher Maria Antunes Maciel ou Maria Alves, também em Tietê, ocorrência de 20 de junho de 1853, em causa de 'hidropsia', idade de 'cincoenta anos mais ou menos' (Óbitos, 1851/1859: 23). 

Portanto, Alves ainda vivia em 11 de fevereiro de 1854, citado testemunha no casamento dos escravos Antonio e Maria da Conceição, ambos do plantel de Ignácio de Oliveira Leite (Tietê, Livro de 1849/1859: 43), aparentado materno de sua mulher Maria Antunes Maciel; e ele não aparece mais em nenhum outro expediente eclesial ou cartorial.
Francisco Alves Pereira era sempre citado como pardo, por distinções comuns na época, e sua mulher, às vezes parda, por outras 'parecida com pessoa branca'ou  'que se dizia branca', citações essas estendidas à sua linhagem, talvez para distinção com os Antunes Maciel brancos, também moradores na região.
Os deslocamentos de Francisco Alves Pereira não atestam, documentalmente, sua morada na região lençoense anterior a 1830, sem inadmitir, porém, temporada ou passagem por lá entre julho de 1827 - da morte do filho Florentino em Tietê, a dezembro de 1829, quando do nascimento do filho Antonio em Araraquara. 

Salvo documentos em contrário, desconhecidos dos autores, a presença inaugural de Francisco Alves Pereira, em Lençóis Paulista, jamais ocorreu, estando apenas fundamentada em memórias de família. 

Outrossim, a presença de Alves Pereira no sertão lençoense não teria antecedido o ano de 1847, quando o início de pré-levantamento do sertão - localizações de tribos indígenas, número de guerreiros, os usos e costumes dos indígenas, distâncias entre aldeias, e os acidentes geográficos, antecedentes à 'Guerra ao Índio - 1850/1851', da qual teria ou não participado, e, em caso positivo, com direitos sim ao seu quinhão. 


3.2. Registros Paroquiais de Terras 
Sabe-se, documentalmente citado, Thomé Ignacio Gonçalves, proprietário de terras na região dos 'Lençoes', conforme José Pedrozo do Amaral o primeiro nome conhecido a apresentar registro de terras no lugar denominado 'Bairro dos Lençoes', a 01 de novembro de 1855, informando:

—"Terras que possue José Pedrozo do Amaral. Nesta Freguezia de Botucatu = Eu abaixo assignado sou senhor e possuidor das terras seguintes nesta freguezia = Um Citio de terras lavradias no bairro denominado dos Lençoes principiando na barra do rio da Prata as quaes dividem-se por um lado com esta mesma barra do rio da Prata nos Lençoes seguindo pelos lençoes abaixo athe frontear com o Alejeadinho, e d'ahi a rumo direto com o espigão divizando com terras de João Pires, pelo meio do espigão acima dividindo com terras de Alexandre Goes athe frontear um saltinho que tem no Rio da Prata, e d'ahi abaixo até a barra de onde principiarão as divizas cujas terras divizão com terras de Thomé Ignacio.
Este Citio foi por mim comprado a Claudina Maria de Jezus em mil oito centos e cincoenta e cinco, por Escriptura particular dactada de vinte e oito do mez de Setembro de mil oito centos e cincoenta e cinco. Botucatu trinta e um de Outubro de mil oito centos e concoenta e cinco = José Pedrozo Amaral = Aprezentada no dia primeiro de Novembro de mil oito centos e cincoenta e cinco = O Vigario Modesto Marques Teixeira - a)." (AESP, RPT/BTCT nº 3: 3).  
O mesmo nome Thome Ignacio aparece, noutro documento - Registro Paroquial de Terras nº 10, como vendedor de terras ao Antonio Joaquim da Cunha Bastos:
—"Terras que possue Antonio Joaquim da Cunha Bastos - N'esta Villa de Botucatu = Eu abaixo assignado sou Senhor e possuidor das terras seguintes nesta Villa de Botucatu = Uma fazenda de terras lavradias de Campos e Mattos denominado Barra do Corvo branco dividindo por um lado com o ribeirão dos Lençoes athe a barra do ribeirão dos prata digo ribeirão da prata, e dahi a rumo direito pelo espigão, dividindo com João Pires, e d'ahi pelo espigão dividindo com João Pires, digo com José Gonçalves do Nascimento, e d'ahi pelo espigão dividindo com Jesuino José Ferrira, e d'ahi pelo espigão até o Lençoes dividindo com Manoel Rodrigues de Almeida, e pelo ribeirão dos Lençoes abaixo d'onde foi principio esta divisa = Esta fazenda foi por mim comprada de Thomé Ignacio Gonçalves em vinte oito de janeiro de mil oito centos e cincoenta e cinco. Botucatu trinta de Novembro de mil oito centos e cincoenta e cinco = Antonio da Cunha Bastos = Aprezentado aos tres de dezembro de 1855, = Teixeira = digo o Vigario Modesto Marques Teixeira - a)." (AESP, RTP/BTCT nº 10: 5-v/6-a).
Ainda o Thomé Ignacio Gonçalves, noutra transação de terras no Lençoes, com Antonio Joaquim da Cunha Bastos de acordo com o registro nº 19:
—"Terras que possue Antonio Joaquim da Cunha Bastos nesta Villa de Botucatu = Eu abaixo assignado sou Senhor e possuidor das terras seguintes nesta Villa de Botucatu = Um Citio de Campos e mattos de criar denominado barra do ribeirão da prata da barra do Ribeirão da prata segue Ribeirão dos Lençoes acima the a barra do ribeirão do Carneiro, e a esquerda segue a rumo do espigão, e por elle assim athe o alto dividindo com quem direito for, e rodeando as cabeceiras do Caete, pelo espigão athe o ribeirão da prata, e por elle abaixo dividindo com Thomé Ignacio Gonçalves athe o ribeirão dos Lençoes donde teve principio esta diviza. Este citio foi por mim comprado de Thomé Ignacio Gonçalvez por titullo em vinte oito de Janeiro de mil oito centos e cincoenta e cinco = Botucatu trinta de Novembro de mil oito centos e cincoente e cinco = Antonio Joaquim da Cunha Bastos -= Aprezentado aos cinco de Dezembro de mil oito centos e cincoenta e cinco = O Vigario Modesto Marques Teixzeira = a)." (AESP, RTP/BTCT nº 19: 9-a/v).
Os autores, a título de esclarecimento, consideram Thomé Ignacio Gonçalves por cabecilha bugreiro vinculado ao bandeirismo de José Theodoro de Souza, anotado em outras transações, à mesma época, em diferentes regiões (AESP, RTP/BTCT nº 16, volume 123, a exemplo), como 'posseiro primitivo, dono de terras - divisante ou vendedor', situações típicas de posses articuladas, ou seja, com título primitivo para em seguida simular venda ao dono verdadeiro, e, assim, justificar ou cumprir exigências impostas pela Lei das Terras, nº 601/1850.
Outras posses na região foram notórias, pendentes para os lados do Tietê, onde já anotadas algumas sesmarias, ainda antes da edição da Lei 601/1850 - Lei das Terras. Manoel Ribeiro da Costa foi um dos posseiros:
—"Terras que Manoel Ribeiro da Costa possue nesta Villa de Botucatu como abaixo se declara, o abaixo assignado morador no districto da Villa de Pirapora é Senhor possuidor de um Citio e terras da cultura na paragem denominada Ilha dos Lençoes na margem do Rio Tietê, cujas terras partem do lado de baixo com a Sismaria de Elizeu Antunes Vieira Cardia, e do lado de cima com posses de Odorico Gomes de Oliveira, os fundos com posses do mesmo Elizeu, a frente com o mesmo Rio Tiete, este Citio e terras assim confrontado sou possuidor por posse e cultura efectiva que tenho em ditas terras desde o anno de mil oito centos e cincoenta, e por assim ser verdade e eu não saber escrever pedi a Elizeu Antunes Vieira Cardia que por mim fizesse e a meu rogo assigna-se - Pirapora vinte de dezembro de mil oito centos e cincoenta e cinco = A rogo de Manoel Ribeiro da Costa = Elizeu Antunes Vieira Cardia = Apresentado aos 25 digo aos vinte e cinco de Dezembro de mil oito centos e cincoenta e cinco = O Vigario Modesto Marques Teixeira - a)." (AESP, RTP/BTCT nº 46, volume 123, CD: A/A).
Também o sesmeiro Elizeu Antunes [Vieira] Cardia fez registrar:
—"Terras que Elizeu Antunes Cardia possue nesta Villa de Botucatu como abaixo se declara. O abaixo assignado, morador no districto da Villa de Pirapora, é Senhor e possuidor de uma Sismaria e posse annexa na paragem denominada Lençoes pertencente a esta Villa, contendo a Sesmaria de testada uma legua e de fundo duas; quanto á posse sem extenção conhecida. 
A sesmaria divide pela testada com o Rio Tiete, e os fundos com terras de Joze Paes Moreira, herdeiros de Alexandre de Goes Maciel, a quem abaixo assignado tinha vendido parte da mesma sesmaria na estenção de meia legua sendo de norte a sul com uma legua de leste ao este, nos fundos da mesma sesmaria - feito do lado debaixo divide com terras de Antonio Dias de Aguiar -Francisco Leme de Brito - Manoel Soares = Joaquim de Goes Maciel, pelo lado de cima com posse de Manoel Ribeiro da Costa, e posse do mesmo abaixo assignado e terras de Farias - assim mais uma posse supra declarada que divide na testada com terras de Manoel Ribeiro, nos fundos com terras [Juão] Farias - no lado de cima com posse de Antonio Joaquim, e Odorico Gomes de Oliveira; no lado de baixo com a sesmaria do mesmo abaixo assignado. A sesmaria foi possuida em virtude de herança paterna, desistindo os mais herdeiros da parte que nella tinha outorgado por Dom João Sexto á mais de trinta annos por Carta Regia acha-se demarcada e medida á dez annos mais ou menos pelo Juiz Municipal do termo de Porto-feliz, e sentenciada, tornando desta sorte a dita sesmaria não sujeita a revalidação em virtude do Artigo vinte e sete do Regulamento de trinta de Janeiro de mil oito centos e cincoenta cuja disposição é relativa a Sesmaria não medida e de marcada o Autos e documentos relativos a medição e de marcação da sobredita Sismaria achão-se archivados no Cartorio do Escrivão do Juizo Municipal do termo de Porto-feliz.  Quanto á posse foi comprada de João Pires Pimemntel primeiro pusseiro, e por não poder escrever pedi ao Senhor Padre Francisco da Costa Araujo e Mello que este exemplar [fosse] indo somente por mim assignado. Pirapora dezessete de Outubro de mil oito centos e cincoenta e cinco = Elizeu Antunes Vieira Cardia = Apresentado aos vinte e cinco de Dezembro de mil oito centos e cincoenta e cinco = o Vigario Modesto Marques Teixeira - a)." (AESP, RTP/BTCT nº 47, volume 123, CD: A/A).
Diversos outros registros paroquiais para Lençóis Paulista, com nomes de registrantes de posseiros, divisantes, compradores e vendedores acham-se no Arquivo do Estado de São Paulo (AESP, RPT/BTCT, Livro 123).
 
34.4.4. Lençóis - formação eclesiástica, político-administrativa e judiciária
Lençóis 'nasceu' sob a invocação de Nossa Senhora da Piedade.
—Como toda povoação sertaneja incipiente, Lençóis tinha o cruzeiro - símbolo cristão de proteção divina até a ereção de uma capela, e, por razões óbvias, um cemitério improvisado que deveria ser 'benzido' por um padre. Por lá o cemitério já existente foi 'oficializado' pela Igreja Católica aos 19 de junho de 1851, com as bênçãos do Padre Isidoro Gonçalves de Campos, da Vigararia de Botucatu (Edson Fernandes, 'Uma vila no Sertão - Lençóis Século XIX, 2011: 27-28).

4. Tempo eclesial
O 'Bairro dos Lençóes', entre os anos de 1851 a 1856, teve seus primeiros assentos religiosos em Botucatu, ou pelos padres visitadores, até quando a elevação de São Domingos como sede paroquial, à qual subordinada, sendo-lhe por capelão o padre Andrea Barra. 
Em detrimento a Lençóis, a partir de 1856 São João de São Domingos tornou-se paróquia, espécie de 'Comarca Eclesiástica' do sertão, a perceber contrariedade lençoense, pois seus registros eclesiais continuaram em Botucatu, ou pelas visitas do padre Salvador Ribeiro dos Santos Mello (Fernandes, op.cit, 2011: 36), titular da vigararia capitular de Botucatu (ALESP, EE.72.15, referência).
Apenas em 1859, quando Lençóis Paulista já elevada a Freguesia - e aí os ranços com Botucatu, aparecem suas primeiras anotações em São Domingos, conforme lançamentos em Livro 2, para o ano de 1859 (Paróquia de São Domingos, Batismos: 1859/1879, ACMSP/SGU). 
Os registros não dizem Capela ou 'Bairro dos Lençóes' e sim 'Freguesia', posto a localidade já reconhecida como tal desde abril de 1858, e sua subordinação religiosa duraria até a fixação de um padre na localidade, acontecimento aos 26 de fevereiro de 1861, quando de sua elevação à condição de paróquia, e o padre Antônio de Santa Ana Ribas Sandin designado o primeiro pároco.

4.1. Das antigas divisões político-administrativas
Desde 1851 existia a pretensão lençoense em ser paróquia - condição eclesial, e, consequentemente, elevar-se a freguesia por reconhecimento civil análogo.
Demoraria alguns anos.
No ano de 1857 discutia-se na Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo a elevação do 'Bairro dos Lençóes' à condição de Freguesia (ALESP, PR 57.131), proposta efetivada pela Lei Provincial nº 36, de 28 de abril de 1858.
O lugar se tornou tornou vila com a grafia Lençóis, aos 25 de abril de 1865, pela Lei n.º 90, e definida sua territorialidade municipal desmembrada de Botucatu.
Sob a nova designação conquistou sua emancipação política para eleger a primeira câmara municipal, cuja posse aos vereadores dada a 12 de julho de 1866. Apenas aos 31 de dezembro de 1895, a sede de distrito da vila de Lençóis, elevou-se à categoria de cidade, mantida a denominação de Lençóis, pela Lei Municipal daqueles dia, mês e ano.
As divisões estaduais administrativas paulistas de 1911 e seguintes definem para Lençóis Paulista os distritos anexados e desmembrados, conforme o caso, não sendo objetos deste estudo,
ALESP - Doc de 1857 discussão para elevação do 
'Bairro dos Lençóes' à condição de Freguesia
apenas a destacar o Decreto-lei Estadual n.º 14.334, de 30 de novembro de 1944, que deu ao  município e sede o nome 'Ubirama', para diferencia-la de cidade baiana mais antiga com a 
mesma denominação (IBGE, Cidades), e, nesta situação, a cidade mais recente deveria optar por nome indígena.
Pela Lei Estadual n.º 233, de 24 de dezembro de 1948, a localidade teve denominação outra vez alterada, agora para 'Lençóis Paulista', e, assim a permanecer até os dias atuais [2020].

4.2. Situação judiciária

A história do século XIX revela Lençóis sob a jurisdição da Comarca de Itapetininga até o ano de 1866, depois sob jurisdição da Comarca de Botucatu, na condição de Termo, entre 1866 a 1877, e guindada a Comarca pela Lei de n.º 25, de 7 de maio de 1877, instalada aos 20 de outubro do mesmo ano, e Santa Cruz do Rio Pardo lhe foi dada por Termo, abrangendo a região do Paranapanema, a partir do Pardo santa-cruzense.

Por motivos não esclarecidos, a Lei 635, de 22 de julho de 1899, transferiu a sede da Comarca de Lençóis para São Paulo dos Agudos, e somente viria recuperar sua emancipação pela lei 2456, de 30 de dezembro de 1953, cuja reinstalação aos 25 de janeiro de 1954.

Lençóis foi comarca de todo o sertão paulista, adiante de Botucatu, entre os rios Paranapanema e Tietê, e, por longos anos, o seu porto fluvial, no Tietê, serviu de escoamentos de mercadorias produzidas no sertão (Tidei Lima, 1978: 107-108), rivalizando-se comercialmente com Botucatu.(Tidei Lima, 1978: 107-108), rivalizando-se comercialmente com Botucatu.
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Das notas:
- *Jornal da Cidade - Bauru/Regional - 03/01/2016 06:30 - 
'Da Cachaça ao Papel', a história da industrialização de Lençóis Paulista - Primeiras fábricas do município são do começo do século 20, com os pequenos engenhos de produção de cachaça, que depois foram expandindo - Jornalista Rita de Cássia Cornélio http://www.jcnet.com.br/Regional/2016/01/da-cachaca-ao-papel-a-historia-da-industrializacao-de-lencois-paulista.html#prettyPhoto.
- **Documentos eclesiais, salvo outra fonte citada, apud https://www.familysearch.org/)